A Borgonha e suas indicações geográficas complementares regionais: entenda este quebra cabeça

Possivelmente a região vinícola do mundo com vinhedos mais bem definidos e mapeados, a Borgonha pode muitas vezes parecer um desafio. Se, de um lado, alguns dos melhores vinhos do mundo são elaborados nesta região, de outro a forma de classificação de seus vinhos ainda causa confusão na cabeça de muita gente. Embora seu sistema de classificação seja uma espécie de pirâmide, dentro dos vários degraus da pirâmide também existem distinções bastante importantes.

De forma geral, o sistema de classificação da Borgonha coloca os vinhos em quatro degraus de acordo com as origens das uvas. No nível mais baixo estão as denominações de origem regionais, ou seja, vinhos elaborados a partir de uma região mais ampla. No nível intermediário, os vinhos feitos a partir de uvas de villages (espécie de municípios) e, no topo da pirâmide, os vinhos a partir de vinhedos específicos (divididos em vinhedos Premier Cru e Gran Cru).

Porém, na realidade a classificação não é tão simples assim. Existe também uma sub-classificação dentro do nível regional (que na França é chamado de appelations regionales). Se a denominação mais conhecida neste degrau é a Bourgogne AOC (mais genérica), dentro deste patamar existe também uma segregação aos vinhos feitos com uvas e processos diferentes (Crémant de Bougogne, Bourgogne Aligoté, etc). Mas, ainda dentro das appelations regionales, o que talvez mais confunda é a existência da classificação feita de acordo com as indicações geográficas complementares (IGC), também chamadas de denominações geográficas complementares (DGC).  

Classificação dentro da classificação

Até por conta do longo histórico de elaboração de vinhos e da ação das ordens religiosas nos vinhedos por tantos séculos, na Borgonha menos é mais. Ou seja, quando mais específico o vinhedo (chamado de climat na Borgonha), mas fácil classificar o vinho. Embora falar em vinhos regionais pareça excluir as especificidades, isso na realidade não acontece.

Mesmo dentro das appelations regionales, portanto, existe espaço para dar mais destaque para os vinhos elaborados em sub-regiões, conjunto de villages ou mesmo climats que mostrem características distintas da região como um todo. Porém, por diversos motivos, estes vinhos acabaram não sendo classificados como Villages, Premier Cru ou Grand Cru. Para acomodar isso, é usado o conceito de indicações (ou denominações) geográficas complementares.

Fonte: Robin Kick MW, Wine Scholar Guild

Resumindo, embora classificados como vinhos regionais, estes vinhos acabam ganhando um “sobrenome”.  Assim, não são rotulados como Bourgogne AOC, mas, por exemplo, como Bourgogne Côte d’Or AOC, ou Bourgogne Montrecul AOC. No total, atualmente são treze “sobrenomes” distintos definidos de acordo com suas indicações geográficas complementares, na figura acima descritas como Bourgogne AOC + DGC. Quatro deles se referem a sub-regiões, seis a village ou grupo de villages e três a climats específicos.

Quatro sub-regiões

Por conta de sua maior especificidade, mesmo estando dentro do degrau de appelations regionales, estes vinhos com indicações geográficas complementares estão, com a figura acima mostra, um patamar acima dos “mais genéricos”, como Bourgogne AOC. E o primeiro grupo de DGC diz respeito a sub-regiões, com quatro delas merecendo esta distinção.

As duas mais antigas são Bourgogne Hautes Côtes de Beaune AOC e Bourgogne Hautes Côtes de Nuits AOC, ambas criadas em 1961. São também as maiores IGCs da Borgonha, com, respectivamente, 834 e 763 hectares. Nos dois casos, os vinhedos se localizam basicamente em regiões de maior altitude, ao oeste dos principais vinhedos das Côtes de Beaune e de Nuits. No caso da Hautes Côtes de Beaune os vinhedos estão em 29 communes (espécie de distritos) distintas, número que cai para 16 no caso da Hautes Côtes de Nuits.

A criação das outras duas indicações geográficas complementares, definidas com base em sub-regiões, foi mais recente. A Bourgogne Côte Chalonnaise AOC foi aprovada em 1990, e inclui cerca de 536 hectares de vinhedos em 46 communes ao oeste de Chalon-sur-Saône. Já a mais recente é a Bourgogne Côte d’Or AOC, estabelecida em 2017, com 341 hectares, espalhados por 36 communes. Até pela sua localização, muitos dos vinhedos têm proximidade com aqueles classificados dentro das principais villages da região, como, por exemplo, Gevrey-Chambertin, Meursault, etc.

Seis villages ou grupos de villages  

Contando com vinhedos em apenas uma ou poucas communes, cinco das seis indicações geográficas ficam localizadas no départment de Yonne, ao norte da Côte d’Or, algumas nas proximidades de Chablis. São elas: Bourgogne Côtes d’Auxerre AOC (com vinhedos em cinco communes), Bourgogne Coulanges-la-Vineuse AOC (sete communes), Bourgogne Tonnere AOC (seis), Bourgogne Chitry AOC e Bourgogne Épineuil AOC (ambas em somente uma commune).

A sexta IGC deste grupo é a Bourgogne Côtes du Couchois AOC, que, com apenas 11,5 hectares espalhados por seis communes, fica localizada ao oeste da Bourgogne Côte Chalonnaise AOC. Sua criação foi em 2000 e atualmente produz apenas vinhos tintos.

Três climats específicos

Por fim, existem três indicações geográficas complementares que consideram vinhedos únicos, portanto cada uma situada em apenas uma commune. A mais curiosa talvez seja a Bourgogne Montrecul AOC, localizada nos arredores de Dijon. Com apenas 16 hectares, este vinhedo recebeu este nome por conta de sua inclinação. Reza a lenda que as pessoas que cultivavam as vinhas se abaixavam e mostravam parte das nádegas no processo.

Os demais são Bourgogne Côte Saint-Jacques AOC e Bourgogne La Chapele Nôtre Dame AOC. Até pouco, havia uma quarta IGC baseada em climats, mas Le Chapitre foi promovida a partir da safra 2019 para a classificação Marsannay AOC e deixou de fazer parte deste grupo.   

Fontes: Vins de Bourgogne; Wine Scholar Guild; The World Atlas of Wine, Hugh Johnson

Imagem: PIRO4D via Pixabay

Gráficos: Robin Kick MW, Wine Scholar Guild

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