A maior ameaça aos vinhedos desde a filoxera: conheça a flavescência dourada

A história da filoxera, epidemia que atingiu os vinhedos de boa parte da Europa na segunda metade do século XIX e levou a uma profunda alteração da viticultura da região, já é bem conhecida. Com origem na América Norte, levou ao replantio da grande maioria dos vinhedos europeus. A partir de então, as videiras na Europa passaram a contar com porta-enxertos de uvas americanas para minimizar o problema, já que, até agora, uma cura definitiva não foi achada.

Nos últimos anos, porém, uma outra doença que atinge as videiras, igualmente sem cura identificada e, também, ligada com a América do Norte, tem causado profunda preocupação aos viticultores ao redor do mundo, especialmente na Europa. A flavescência dourada, mais conhecida pelo seu nome em francês flavescence dorée, é uma doença que afeta que as videiras e é apontada como o maior risco atual à viticultura.

Fitoplasma e vetor

A flavescência dourada é causada por um fitoplasma (uma espécie de bactéria), chamada Candidatus Phytoplasma vitis. Este micro-organismo vive no interior de muitas plantas, entre elas as videiras. A doença é endêmica na Europa, mas se tornou um problema sério após 1955, quando um inseto foi pela primeira vez visto no Velho Continente, vindo da América do Norte.

Foi com a chegada do Scaphoideus Titanus, uma espécie de cigarra que salta de planta em planta, que a flavescência dourada se tornou uma enorme ameaça na Europa. Ao se alimentar da linfa de uma videira contaminada, o inseto serve de vetor da doença, espalhando para outras videiras durante toda a sua vida ou enquanto seguir se alimentando da linfa de outras videiras.

A primeira região europeia afetada foi o sudoeste da França em 1955 e, desde então, se espalhou, com maior presença no sul do país, especialmente Midi-Pyrénées, Languedoc Roussillon, Aquitaine, Charentes, Provence e Savoia. Rapidamente, se alastrou para outros países e hoje é uma ameaça enorme na Itália (primeiros casos em 1963 na Ligúria), Croácia e Hungria. É encontrada também em áreas isoladas da Alemanha, Espanha (sobretudo Catalunha) e Portugal, aonde chegou em 2000, mais concentrada no norte do país.

Seu impacto

Embora usualmente a doença não mate as videiras, ela causa uma dramática queda da produtividade e qualidade das uvas, que praticamente inviabilizam o seu uso comercial, dependendo da gravidade da infecção. A doença causa a obstrução dos vasos usados para circulação de nutrientes da planta e altera seu metabolismo.

Cacho de videira contaminada pela flavescência dourada

Como não existe atualmente uma cura diagnosticada, apenas medidas preventivas ou paliativas podem ser tomadas. Uma vez infectada, a única alternativa é extrair a planta, para evitar que outras partes do vinhedo sejam afetadas. E isso traz consequências econômicas significativas, o que faz da flavescência dourada uma das principais ameaças aos vinhedos ao redor do mundo, com especial atenção na Europa.

Para Frédéric Barnier, enólogo-chefe da Louis Jadot, ela é certamente a maior ameaça aos vinhedos de sua região, a Borgonha. Além de ser endêmica, a única solução factível (extração dos vinhedos) pode ser catastrófica, já que é mandatória e pode dizimar os vinhedos da região, que atualmente têm uma alta proporção de vinhas velhas.

Sintomas e diagnóstico

A forma mais fácil de reconhecer a doença é analisar as folhas das videiras. No caso das uvas brancas, as folhas ficam amarelas, já nas variedades tintas, elas ficam vermelhas. Além disso, as folhas se curvam para baixo e para dentro, além de se tornarem frágeis e crocantes. Os galhos se mantêm verdes, sem lignificação e o impacto chega também aos cachos e frutos, que ficam menores e chegam a secar.

Algumas destas observações são coincidentes com outras condições (como déficit nutricional) ou doenças que afetam as videiras, como Esca e, sobretudo, Bois Noir. Neste último caso, é muito difícil distinguir os dois fitoplasmas, o que ocorre somente após análises detalhadas em laboratório.

Cada variedade, porém, pode mostrar reações diferentes. Por exemplo, a Merlot resiste melhor ao fitoplasma, enquanto os efeitos são muito mais evidentes na Cabernet Sauvignon. É importante lembrar que a doença afeta apenas as variedades da Vitis vinifera, uma vez que o porta-enxerto, de espécies de uvas americanas, não é afetado.

Busca de soluções e polêmicas

Como não há cura para a flavescência dourada, a única alternativa viável é rapidamente identificar, isolar e destruir as videiras infectadas. Alternativamente, já foram tentadas outras opções, como o controle do Scaphoideus Titanus em locais onde o fitoplasma é endêmico, seja por introdução de predadores naturais ou uso de pesticidas para reduzir sua população.

Esta última opção, porém, já foi motivo de uma grande controvérsia na França. Em 2014, o vinhateiro Emmanuel Giboulot quase enfrentou uma sentença de prisão, além de uma multa pesada, depois de se recusar a pulverizar suas videiras com pesticidas. Para que ele, que adota a agricultura orgânica, os pesticidas são ineficazes e prejudiciais para insetos polinizadores, como abelhas, e insiste que a doença pode ser combatida por meios mais naturais.

Felizmente o impacto na Borgonha foi relativamente pequeno, mas isso não foi o caso em outras regiões. Em 2014, o produtor português Quinta do Ameal, na época também cultivando seus vinhedos de forma orgânica, foi obrigado a retirar boa parte de suas videiras, contaminadas pela flavescência dourada.

Fontes: InfoWine; Wine Scholar Guild; DGAV Portugal; The Guardian; WineNews

Imagens: InfoWine

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