Barolo, o vinho dos reis

Barolo é um dos grandes vinhos da Itália e a ele é atribuído uma das melhores expressões da uva Nebbiolo. E será sobre esse vinho icônico, que faz palpitar o coração dos enófilos mais exigentes, que iremos nos debruçar na coluna desse mês.

O vilarejo de Barolo, cercado de vinhedos e com os Alpes ao fundo

Um dia o Barolo já foi um vinho doce

Até meados do século 19, o Barolo era deliberadamente um vinho doce. Atribui-se a última Marquesa de Barolo, Giulia Falletti, o desejo de que o vinho passasse a ser seco. Para satisfazer a pedido da Marquesa, o Conde de Cavour, Camillo Benso, uma das figuras proeminentes da unificação Italiana e que ocupou o cargo de Primeiro Ministro do Reino da Sardenha até 1861, contratou um enólogo francês para a empreitada.

Não há registros precisos sobre o tema, mas possivelmente a doçura então observada se devia a uma casual combinação do amadurecimento precoce da Nebbiolo e fermentação incompleta do mosto. Talvez o processo era acelerado para que houvesse oferta de vinho antes do inverno.

Mas seja como for, a Marquesa de Barolo teve um papel fundamental na divulgação do estilo seco do Barolo ao introduzi-lo nos aristocráticos círculos das cortes de Torino. Nascia assim um dos grandes vinhos da Itália.

A regulamentação do Barolo

A Denominação de Origem que regula a produção do Barolo determina que ele seja elaborado exclusivamente com a uva Nebbiolo, oriunda de vinhedos localizados em nove municípios, sendo os principais e que concentram mais de 90% da produção de uvas: Barolo, Castiglione Falletto, Serralunga d’Alba, La Morra e Monforte D’Alba.

A evolução recente do Barolo

Tradicionalmente a maioria dos vinhos era produzida e comercializada por comerciantes, que adquiriam uvas, mostos e vinhos de diversos produtores. Eram, portanto, “blends” de diferentes vinhedos e/ou municípios. Essa prática tinha a vantagem de garantir um estilo consistente ao longo dos anos e de diferentes safras. No entanto, impedia a individualização de vinhedos e a produção de vinhos com as melhores uvas. A partir da década de 1960, porém, esse quadro mudou, com produtores passando a vinificar e engarrafar seus vinhos. O conceito de terroir chegava ao Barolo.

Verdade seja dita que os melhores sites de Barolo já eram conhecidos desde o século XIX, havendo registros e a prática de preços superiores de uvas oriundas desses locais. Porém, apenas na década de 1960 isso foi oficializado, com a criação do Consórcio de Produtores e da Denominação de Origem Controlada e Garantida, DOCG. Existem hoje 181 MGAMenzioni Geografiche Aggiuntive, autorizadas e que podem aparecer no rótulo do Barolo. Grosso modo, podemos comparar a MGA a um Cru da Borgonha. Um vinho que estampa no rótulo MGA é um vinho produzido com uvas oriundas de um único vinhedo.

Bricco e Sori

A uva Nebbiolo é conhecida por ser “temperamental e difícil”. Seu amadurecimento exige condições adequadas, encontrada apenas em alguns sites. Nesse contexto, os termos Bricco e Sori, quando estampados no rótulo, significam que as uvas vieram de vinhedos posicionados em locais potencialmente superiores.

Em Barolo, mas não apenas em Barolo mas também Barbaresco, Langhe e Roero, os melhores vinhedos estão localizados na partir superior da colina (Bricco) e com maior exposição solar (Sori).

Barolo’s Boys

Até a década de 1970, o Barolo era produzido em um único e tradicional estilo. As uvas prensadas eram submetidas a um longo período de maceração (de um a dois meses) e o vinho passava pelo menos quatro anos nas enormes e antigas barricas de carvalho da Eslavônia, conhecidas como botti. A longa maturação se fazia necessária para “amansar” os taninos abundantes que resultavam do longo período de maturação.

Esse longo período de maturação também aumentava o risco de o vinho perder o caráter delicado da Nebbiolo. Assim, o resultado era um vinho austero e bastante tânico quando jovem. Requeria vários anos de guarda para se tornar acessível.

A partir da década de 1980, porém, um grupo de produtores, influenciados  por modernas técnicas de vinificação desenvolvida em outras regiões, introduziram um vinho mais acessível quando jovem, com mais fruta, mais concentrados e que não demandavam longos estágios na madeira. Essa história virou um filme divertido que vale a pena ser visto pelos apaixonados do tema.

Hoje a diferença entre “tradicionalistas” e “modernistas” é muito menor do que foi no passado. Apesar de ainda existirem seguidores fiéis dos dois estilos, não há mais um fosso os separando. No mais das vezes, a diferença é sutil.

O que esperar de um Barolo

De uma forma geral e ignorando os “pontos fora da curva”, podemos dizer que um Barolo tende a apresentar uma cor rubi de média para baixa intensidade, o que engana muita gente numa análise visual, que associa a pouca intensidade de cor com delicadeza do vinho

Com relação ao seu perfil aromático, o vinho se expressa de forma intensa e complexa. Chama a atenção as notas florais de rosa e violeta.  A fruta lembrar as berries, vermelhas e silvestres quando jovens, além de notas terrosas, alcatrão e piche de asfalto. Na boca mostra uma enorme concentração de sabor.  A elevada acidez e poderosa estrutura tânica resultam num vinho com enorme potencial de guarda.

Quando envelhecido, a fruta ganha um caráter mais evoluído, a flor lembra uma rosa “murcha” e o vinho ganha camadas de novos sabores como especiarias, mentolado, trufas brancas, couro e alcaçuz. O Barolo é envelhecido no mínimo 38 meses antes de ser comercializado, sendo que desse total, pelo menos 18 meses em barrica. Já na versão Riserva esse período de envelhecimento é ampliado para 62 meses.

Recomendações para consumir o Barolo.

Quando jovem é um vinho capaz de entregar relativamente pouco, com relação ao seu preço e potencial que ele atingirá com uma guarda adequada. Isso é longe de afirmar que é um vinho mediano. Pelo contrário. Mas ainda um Barolo jovem não é excepcional. E não oferece uma boa relação de preço com qualidade.

O Barolo é um vinho que pede tempo de guarda para se mostrar por inteiro. É o tipo do vinho que o ideal seria que o avô comprasse para o pai consumir e este, por sua vez, adquirisse para ser bebido pelo seu filho. E quem for paciente será recompensado até a última gota.

Por fim não esqueça do serviço do vinho. Uma taça adequada e, principalmente, a temperatura correta que, no caso do Barolo, deve ser um pouco superior aos demais tintos, para que nenhuma das enormes complexidades sejam escondidas

Renato Nahas é Professor da ABS-Campinas. Concluiu a certificação de Bourgogne Master Level da WSG, é Formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS, pela WSG. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWE e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

Imagem de Barolo: Massimo Candela via Pixabay

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