Côtes de Bordeaux AOC, a mais jovem apelação bordalesa

Criada em 2009, o que para os padrões do tradicionalíssimo mundo do vinho francês é um evento muito recente, Côtes de Bordeaux AOC responde por 10% da área cultivada na região. É fonte de vinhos relativamente acessíveis e que vem recebendo pontuações crescentes da crítica especializada.  

Isso a torna uma boa alternativa para quem busca vinhos em Bordeaux, sem pagar os preços estratosféricos das apelações mais badaladas, como Margaux, Pauillac ou Pomerol.

Blaye, uma das 5 zonas de produção da Côtes de Bordeaux AOC – Fonte: Bordeaux Tourisme

A palavra côte em francês

Enquanto no francês coloquial a palavra côte pode significar tanto costela quanto litoral ou costa, dependendo do assunto, no mundo do vinho significa encosta com vinhedo. É usada no singular em “Côte Rôtie” ou no plural em “Côtes du Rhône”. Já as colinas com vinhedos são ditas “Coteaux” como se observa em “Coteaux du Layon” (colinas do Vale do Rio Layon).

Já em Bordeaux é usado apenas a palavra “Côtes”, não se utilizando nem o singular nem a palavra coteaux, apesar de existirem colinas por lá. Como veremos adiante, esse uso indevido do termo “Côtes” foi intencional e relacionado ao posicionamento no mercado de uma série de apelações pouco conhecidas fora de sua região de origem.

As motivações para a criação da Côtes de Bordeaux AOC

Em 2009 a AOC foi criada, incorporando cinco zonas de produção, que até então rotulavam seus vinhos de forma independente:

Côtes de BayePremières Côtes de BordeauxCôtes de CastillonBordeaux-Côtes des FrancSainte-Foy-Bordeaux

Fonte: WSG

Em comum, essas áreas, não contíguas, possuem solos majoritariamente argilo-calcário, exposição sudoeste e estão localizadas na margem direita dos rios Gironde e Dordogne. Possuem também padrões uniformes de produção, como rendimentos e uvas autorizadas.

No entanto, a mais recente zona de produção incorporada, Sainte-Foy, como pode ser observada no mapa, foge à regra, com predominância do solo de cascalho e arenosos, e exposição diferente (sudeste), além de estar localizada na margem esquerda do rio.

Por trás dessa aparente flexibilidade no critério, que aprovou a incorporação de Sainte-Foy, se esconde, ao nosso ver, o real motivo da existência da Côtes de Bordeaux AOC; a criação de uma “apelação guarda-chuva”, usando o poderoso e marcante nome “Bordeaux” a fim de facilitar a comunicação com o mercado consumidor.

Regras da Côtes de Bordeaux AOC

Apesar da AOC ter sido criada para facilitar a comunicação, a considerável heterogeneidade das áreas, e a correspondente necessidade de diferenciá-las levou a criação de cinco apelações sub-regionais.  Como veremos adiantes, chama a atenção como as sub-regiões são diferentes.

Vale aqui reforçar novamente que até 2009 essas áreas dispersas se apresentavam ao mercado de forma independente. A criação da apelação, nesse contexto, foi um esforço para buscar “razões para acreditar” que faria sentido 

Côtes de Bordeaux AOC é uma apelação exclusiva para vinhos tinto e secos. Podem ser elaborados com qualquer proporção de Cabernet Sauvignon, Merlot, Malbec e Cabernet Franc. Adicionalmente podem ser usadas Carmenère (menos de 10%) e Petit Verdot (menos de 15%). Vale registrar que essa região é onde a Malbec é mais disseminada em Bordeaux. E as uvas podem ser obtidas em qualquer uma das cinco zonas de produção.

As cinco apelações sub-regionais da Côtes de Bordeaux AOC

Porém, além da Côtes de Bordeaux AOC, existem outras cinco AOCs, que especificam e limitam a origem das uvas para a produção do vinho. Vale aqui aquele conceito clássico do mundo do vinho: quanto mais específico, maior é a qualidade esperada.

Na nomenclatura o nome da zona de produção vem na frente e é sempre seguida de “Côtes de Bordeaux”. E nessas apelações, os vinhos podem ser tintos ou brancos e os brancos podem ser seco, semi seco ou doce:

Blaye-Côtes de Bordeaux (para Côtes de Blaye) tintos e brancos secosCadillac-Côtes de Bordeaux (para a antiga zona de Premières Côtes de Bordeaux, um termo que só confunde o consumidor) – apenas tintosCastillon-Côtes de Bordeaux (para Côtes de Castillon) – apenas para tintosFrancs-Côtes de Bordeaux (para Bordeaux-Côtes de Francs) – tintos, brancos secos e liquoreuxSainte-Foy-Côtes de Bordeaux (para Sainte-Foy-Bordeaux) – tintos, brancos secos, moulleux e liquoreux.

Os vinhos da Côtes de Bordeaux e suas cinco apelações subregionais

Vencida a etapa de explicar a confusa terminologia, vamos a um breve comentário das seis zonas de produção:

Côtes de Bordeaux AOC:  Por se tratar de uma área não contígua, com vinhos oriundos de diferentes zonas de produção e com flexibilidade na utilização das uvas que formam o blend, é difícil definir um estilo para os tintos dessa AOC. São vinhos de entrada e com os preços mais acessíveis.

Cadillac-Côtes de Bordeaux AOC: (antiga Premères Côtes de Bordeaux) produz apenas tinto, com a Merlot dominando o blend e presença importante de Cabernet Sauvignon. Os solos são heterogêneos. Argila e Calcário convivem com parcelas de cascalho e areia (daí a presença da CS).

Premières Côtes de Bordeaux AOC produz vinhos semi-secos (moelleux), predominantemente com a Sémillon e pequena participação da Sauvignon Blanc e Muscadelle. Vinhos com no mínimo 11,5% de álcool e 34 gramas de açúcar residual por litro.

Blaye: as antigas AOC de Blaye foram reconfiguradas em duas:

Blaye AOC: apenas tintos, com presença majoritária de Merlot, CS e CF. A diversidade local dos solos locais explica a heterogeneidade do blend. Definitivamente os melhores vinhos são oriundos de Merlot, oriundo dos solos calcáriosBlaye-Côtes de Bordeaux Blanc: vinhos brancos secos apenas, produzidos com as 3 uvas principais da região (Sémillon, SB e Muscadelle)

Castillon-Côtes de Bordeaux AOC: Numa área com solos abundantes em argila, a Merlot domina de 70-80% o blend. Mas há também parcelas ricas em calcário, que favorecem a Cabernet Franc. Possivelmente, são oriundos daqui os melhores tintos de toda Côtes de Bordeaux. E os que vêm recebendo as melhores pontuações da crítica especializada.

Francs-Côtes de Bordeaux AOC: Produz tintos, brancos e doces. Apesar de Merlot representar entre 50-60% da área plantada, os vinhos mais distintos são os elaborados a base de Cabernet Franc, que se beneficia de parcelas de solo ricas em calcário. Semillon domina 60% da área de brancos. A produção de vinho branco é minúscula (19 mil garrafas) mas com boa receptividade da crítica especializada

Sainte-Foy-Côtes de Bordeaux AOC: além dos tintos, sem muita expressão, produz brancos secos, doces e semi secos, raríssimos no Brasil, mas que são os mais considerados da apelação.

Safras

As melhores safras das Côtes de Bordeaux são: 2020, 2019, 2018, 2017, 2016, 2015, 2012, 2010, 2009, 2008, 2005, 2001 e 2000. Safras mais antigas, teoricamente, já estão fora da faixa ideal de consumo.

Perspectivas para as Côtes de Bordeaux

Com 12 mil hectares de área plantada, equivalente a 10% de toda região de Bordeaux e 950 produtores, as Côtes de Bordeaux nasceu com o propósito de melhorar a comunicação com o mercado consumidor de uma série de pequenas áreas de produção que até então encontravam-se dispersas.

O elevado custo de produção nas áreas mais nobres, como Pomerol e Medoc, criou um incentivo que produtores se aventurassem em regiões menos “badaladas”, o que é muito.

Nesse sentido, quem procura boas opções de Bordeaux a preços acessíveis deve se debruçar e explorar as Côtes de Bordeaux. Mas naturalmente, no contexto de uma área tão grande, entender as suas nuances é fundamental para “separar o joio do trigo”.

Renato Nahas é Professor da ABS-Campinas. Concluiu a certificação de Bourgogne Master Level da WSG, é Formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS, pela WSG. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWE e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

Imagems: Pixhere

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