Decifrando o mundo dos vinhos: entenda o papel dos négociants

Quem gosta de vinhos franceses, sobretudo da Borgonha, certamente já se deparou com a expressão négociant. Com uma longa história, por muito tempo tiveram um papel fundamental na intermediação entre o pequeno produtor e os consumidores de vinho. Nas últimas décadas, porém, seu papel mudou, com a criação de novos modelos de negócio.

Mas o que é um négociant?  Tradicionalmente, era definido como um comerciante de vinhos que não possuía vinhedos. Sua principal atividade foi, por muito tempo, comprar lotes de vinhos de pequenos agricultores e, com estes vinhos, fazer o blend e o envelhecimento, posteriormente vendendo com seus próprios nomes. Muitos deles, inclusive, montaram vinícolas próprias, comprando uvas e elaborando vinhos, também com sua marca.

Domínio de mercado

Por muitas décadas e mesmo séculos, os negóciants foram dominantes em algumas regiões, sobretudo a Borgonha, mas também tiveram peso importante em Bordeaux. Mesmo fora da França, embora os négociants sejam conhecidos por outros nomes, um modelo de negócio muito parecido ainda hoje é adotado em regiões como Douro e Madeira.

Mas foi na Borgonha que os négociants, também chamados de négociants-éleveurs, tiveram maior impacto no universo dos vinhos finos. Em uma região marcada por pequenas propriedades, geralmente familiares, eles eram, em paralelo com as cooperativas, o elo entre o camponês e o consumidor. Por séculos, a grande maioria dos vinhos da Borgonha foi engarrafada e distribuída pelos negóciants, que imprimiam seu estilo aos vinhos.

Com o passar do tempo, porém, muitos deste négociants começaram também a adquirir terras. O objetivo principal era ter mais controle tanto sobre a condução dos vinhedos, como do processo de elaboração dos vinhos. Gradualmente, alguns deles se colocaram dentre os maiores donos de vinhedos na região, o que levou também a uma mudança no seu papel.

Longa história

Na Borgonha, os négociants têm uma longa história. A Bouchard Père et Fils, fundada em 1731, segue com grande presença na região, tendo hoje em dia acesso a 130 hectares de vinhedos, tanto próprios como de terceiros. Já a Faiveley, embora atualmente com foco maior em seus vinhedos próprios, atua desde 1825, sendo um dos maiores donos de terras na Borgonha. Destaque também para Louis Jadot, criada em 1859, e Joseph Drouhin (1880).

Embora tenham crescido muito, ao menos até meados do século XX, o modelo de negócio adotado também mostrou falhas. E uma das principais críticas aos négociants era em relação à qualidade dos vinhos. Embora alguns buscassem manter um nível de excelência, não era incomum encontrar vinhos de baixa qualidade.    

Mudança de paradigma

A busca por maior qualidade vem sendo um dos fatores responsáveis pelas grandes mudanças na vinicultura da Borgonha nas últimas décadas. Por conta disso, embora ainda tenham uma forte presença, o papel dos négociants mudou. Se nas décadas de 1920 e 1930 eram poucas as vinícolas independentes, a partir dos anos 1970 este quadro mudou completamente. Hoje são elas que dominam a região.

De sua parte, os négociants não ficaram somente observando este processo. Além de partirem para a aquisição de vinhedos próprios, os négociants também passaram a investir em qualidade, tanto para os vinhos elaborados a partir de seus vinhedos como de terceiros. Atualmente, eles oferecem uma ampla gama de vinhos, desde os mais básicos até cuvées caras e raras dos principais Grands Crus da região.

Novos competidores

Se no passado os négociants eram aliados de muitos dos milhares de proprietários de terras da Borgonha, hoje em dia eles sofrem uma competição muito mais intensa. Diversas vinícolas, além de elaborarem, engarrafarem e comercializarem seus vinhos, também montaram unidades de negócios que atuam como négociants. Dentre os produtores mais bem avaliados, destaque para Fourrier, Robert Arnoux e Dujac, sem contar, obviamente, com a mítica Leroy, que começou suas atividades como négociant.

Uma outra fonte de competição veio na forma dos chamados micro-négociants, que adotam um modelo similar, porém, em menor escala. Em geral, são vinhateiros que, por conta do quase proibitivo valor atual dos vinhedos na Borgonha, optaram por comprar uvas de terceiros. Responsáveis pela vinificação e comercialização, muitas vezes também atuam no cultivo, orientando os viticultores e ajudando a cuidar dos vinhedos.

No entanto, apesar de um mercado muito mais pulverizado e competitivo, os négociants seguem em uma posição privilegiada, não somente na Borgonha como em outras regiões. A grande maioria está migrando para um modelo híbrido, onde os vinhedos próprios desempenham um importante papel, para alguns preponderante. Assim, seja em qual modelo, nomes como Bouchard Père, Faiveley, Louis Jadot e Joseph Drouhin ainda estarão presentes nas adegas de apreciadores de vinho por muito tempo.

Fontes: Decanter; Wine Enthusiast; Larousse Encyclopedia of Wine

Imagem: NauticalVoyager via Pixabay

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