Estudando vinhos: quais são os fatores que definem o terroir?

Embora ainda seja alvo de controvérsias, terroir é um termo muito usado para ajudar a entender a tipicidade que muitos vinhos conseguem exprimir.  Esta expressão, de difícil tradução para o português, procura agregar as características e processos usados em uma determinada região e que acabam sendo refletidos de forma consistente nos vinhos ali produzidos.

De forma geral, estas características podem ser divididas em três grupos. Em primeiro lugar, aparecem aquelas relacionadas ao ambiente físico onde as uvas são plantadas (por exemplo, solo, geografia e clima). Também é fundamental entender as características de origem biológica (presença de plantas e o microbioma em níveis regionais, dos vinhedos e nas instalações de vinificação), além dos aspectos culturais (seja na viticultura como na enologia).

Todos estes fatores devem ser identificáveis e resultar em características que possam ser encontradas consistentemente no vinho, seja elas olfativas ou gustativas. Além disso, mais do que analisar individualmente cada fator, o mais importante é compreender a interação entre estas inúmeras variáveis e o impacto que elas exercem sobre o vinho ali produzido.

O ambiente físico

Não há como imaginar uma definição de terroir sem pensar no ambiente físico, que pode ser dividido em três grupos distintos. Em primeiro lugar, a geografia tem uma importante contribuição, como, por exemplo, a latitude, a altitude e suas características geomorfológicas, como inclinação e orientação do vinhedo, além de seu aspecto e topografia. O solo também é fundamental, porém indo além de somente conhecer qual a rocha mãe (calcário, granito, basalto, etc), mas também sua textura, composição química, hidrologia e profundidade.

Por fim, o clima pode fazer toda a diferença, compreendendo seu impacto em todas as fases de crescimento da videira. É fundamental identificar se o vinhedo está em um regime continental ou oceânico, qual a temperatura média, a amplitude térmica e o regime de chuvas. Além disso, a probabilidade de eventos específicos, como geadas na primavera ou ondas de calor no verão, pode em muito afetar as características dos vinhos produzidos.

Ambiente biológico

De forma geral, por ambiente biológico se entende como a contribuição trazida por outras formas de vida à videira e ao vinho. Elas podem ser agregadas em três grupos, começando por características regionais, como plantas que liberam óleos e outras substâncias no ar (já foi provado que a presença de árvores de eucalipto nas cercanias dos vinhedos traz aromas desta planta para as uvas). Além disso, eventos como queimadas próximas também podem ter o mesmo impacto.

O segundo grupo inclui outras formas de vida presentes nos vinhedos. Elas vão desde ervas próximas até várias formas de vida de pequena dimensão, como micorriza, míldio, bactérias, leveduras indígenas e outros fungos. Não podem ser esquecidas também as contribuições de insetos, entre eles as abelhas, além da macrofauna. Por fim, também existe a influência de formas de vida encontradas no ambiente de vinificação, como leveduras indígenas e bactérias.

O ambiente cultural

Mas o terroir não é influenciado somente por variáveis naturais. Também a ação humana é fundamental para trazer ao vinho características que destaquem sua tipicidade. Neste caso, todavia, para serem consideradas parte do terroir, estas ações devem ser realizadas de forma coletiva, não somente por alguns produtores. Nas principais regiões produtoras da Europa, por exemplo, existem regras muito bem definidas dentro das denominações de origem, que acabam refletidas nos vinhos lá elaborados.

Um grupo importante de ações humanas é realizado nos vinhedos, ou seja, a viticultura. São diversas variáveis, como o espaçamento entre as videiras, uso ou não de irrigação, idade das vinhas, uso de clones ou seleção massal, vinhas de pé franco ou enxertadas, além do sistema de condução utilizado. Também contribuem o ponto de colheita das uvas, o rendimento dos vinhedos, a forma de aragem, a presença ou não de cobertura vegetal e, certamente, os tipos de substâncias que são usados tanto para melhorar a fertilidade da terra quanto o controle de pragas.

Como poderia se esperar, também ações humanas no processo de vinificação são fundamentais. Por exemplo, qual tipo de levedura é usado, se a maceração e/ou fermentação são feitas com cachos inteiros, qual o processo e grau de prensagem das uvas, além do tipo de recipiente usado (tanto na fermentação como envelhecimento). Também contribuem a opção por uso ou não de processos e substâncias específicas na elaboração do vinho.

Complexidade

A quantidade de variáveis envolvidas na definição de terroir chama a atenção, mas esta questão se torna ainda mais complexa por conta das inúmeras interações entre todo este conjunto de fatores. Por exemplo, muito se fala sobre o impacto do aquecimento global sobre a viticultura. Porém, a temperatura das uvas e nos vinhedos não dependem apenas do clima.

Um estudo mostrou a enorme diferença de temperatura em dois vinhedos na mesma região, com mesma altitude e topografia. A única diferença era o tipo de cobertura usado entre as fileiras do vinhedo. Em um, era de pedras e, no outro, de grama. Por conta deste “detalhe”, a diferença na temperatura do solo atingiu quase quatro graus, e, nos cachos de uvas, atingiu quase um grau. Isso afeta o ponto de maturação e a data de colheita, com consequências sobre as características dos vinhos.

Isso é apenas um pequeno exemplo da complexidade que existe na definição de terroir e como as diversas variáveis podem interagir. Discretas alterações em algumas variáveis podem ter um efeito em cadeia, mudando, por exemplo, o ambiente biológico, e resultar em vinhos completamente diferentes. Terroir é importante e conhecer suas características pode fazer toda a diferença na hora de elaborar ou degustar um vinho.

Fonte: The Myths of Terroir, Kevin Pogue

Imagem: jacqueline macou via Pixabay

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