História do vinho: os burgúndios e a criação da Borgonha e de seus vinhos e vinhedos

A Borgonha é uma região que fascina não somente pelos seus vinhos e sua gastronomia, mas também pela sua história. Sua tradição vinícola é resultado da intervenção de diversos povos, desde suas primeiras videiras na época do Império Romano até o presente, passando pela forte influência das ordens monásticas, que moldaram os vinhedos da região.

No entanto, um povo em especial teve forte influência na história desta região. Os burgúndios, além de servirem de inspiração para o nome da região (Burgundy em inglês ou Burgund em alemão), foram decisivos para a entrada das ordens religiosas na Borgonha. Sendo um povo cristão já no final do período romano, foi, em parte, por conta da influência dos burgúndios que os monges criaram os vinhedos que hoje dão origem a alguns dos melhores vinhos do mundo.

Origens escandinavas

Porém, antes de se estabelecer na Borgonha, os burgúndios têm uma longa história. Eles são originários da ilha de Bornholm, que fica entre a Suécia e a Polônia e atualmente faz parte da Dinamarca. Esta ilha era chamada pelos vikings da Noruega de Burgandarholmr, daí o nome deste povo. Porém, já no século I da era cristã, esta população imigrou.

Seu ponto entrada na Europa continental foi a margem do Vístula, rio que hoje fica em território polonês. Daí migraram para as margens do Elba, até chegar, no século IV, à margem direita do rio Reno, na época limite oriental do Império Romano. Eram considerados neutros pelos romanos, servindo de proteção contra outros povos, ditos bárbaros, do Leste Europeu. Mas isso viria a mudar.

Uma nova casa

Em torno de 350 a 400 anos depois de Cristo todos os povos germânicos que faziam fronteira com o Império Romano na Europa Central começaram a sentir a pressão de um novo conquistador. Eram os hunos, provenientes das estepes da Ásia Central, que decidiram migram para o oeste, em direção à Europa. Com isso, a antiga fronteira romana se tornou instável, com diversas tentativas de invasão.

O golpe decisivo veio em 406, quando, por conta do forte inverno, o Reno congelou. Isso permitiu que diversos povos ganhassem acesso ao território romano, parte deles com a permissão dos próprios romanos. E, dentre eles, estavam os burgúndios. Seu rei Gundahar atravessou o Reno com 80.000 pessoas de seu povo (não se sabe se soldados ou população em geral) e ocupou as marges do Reno, desta vez no lado esquerdo.   

Conflitos e os hunos

Não satisfeito com seus novos territórios, porém, os burgúndios decidiram ir além. Romperam seu acordo com os romanos e invadiram a Gallia Belgica (onde atualmente fica o país de mesmo nome) em 435. Os romanos, porém, reagiram. Contando com a colaboração de mercenários hunos, comandados por Atila, o general Flavius Aetius infringiu uma derrota decisiva a Gundahar em 436. Os sobreviventes burgúndios migraram para o sul, onde hoje é a atual Borgonha.

Esta jornada ganhou uma dimensão especial: foi retratada em diversos contos e serviu de inspiração para uma das principais obras da música clássica, O Anel do Nibelungo, escrita por Richard Wagner. Os Nibelungos, portanto, seriam os burgúndios.

Mas os burgúndios voltariam a se aliar com os romanos. Quando Atila rompeu seu pacto e invadiu de vez o Império Romano a partir de 447, os burgúndios fizeram parte da coalizão formada para derrotar os invasores. Participaram da batalha dos Campos Catalaunicos em 451, que teria sido a última vitória importante do Império Romano do Ocidente. Mas de pouca utilidade: em 476 terminava o Império Romano do Ocidente.

Novas alianças

Com o fim do Império Romano na Galia, os burgúndios conseguiram manter sob seu controle uma área importante, que ia desde a região de Champagne até a Savoia, incluindo partes do que hoje é a Suíça. O reino burgúndio prosperou, combinando elementos culturais próprios com os hábitos galo-romanos, inclusive a adoção do cristianismo.

Porém, não houve paz nas décadas seguintes. Clovis, rei dos Francos, marchou sobre Dijon em 500, conquistando importantes parcelas do território burgúndio. Porém, por conta da pressão de outros povos, no caso os Alamani, os francos e os burgúndios uniram forças contra o inimigo comum. E isso foi selado pelo casamento do rei franco com Clotilde, sobrinha do rei burgúndio Gundobad.

Clotilde teria sido a principal responsável pela conversão de Clovis ao cristianismo, formalizada em 506. Os burgúndios seguiram independentes até 534, quando foram derrotados pelos filhos de Clovis e Clotilde. Com a criação da dinastia merovíngia, que teria sua máxima expressão no reinado de Carlos Magno, começou um novo capítulo da história francesa, contando com sangue franco e burgúndio daí em diante.

Nova era na Borgonha

A conversão dos francos ao cristianismo, sobretudo por conta da influência dos burgúndios, trouxe importantes impactos para o que hoje é a Borgonha. Gradualmente, as ordens religiosas começaram a ganhar crescente importância e receber terras na região, criando monastérios que tinham na viticultura uma de suas principais atividades.

Uma grande parte da área de vinhedos da Côte d’Or foi esculpida pelos monges, inclusive o famoso morro de Corton, que Carlos Magno cedeu à abadia de Saulieu no ano 775. Outros exemplos, como Clos de Vougeot, Clos de Tart, dentre tantas outras propriedades cultivadas pelos beneditinos e cistercienses, evidenciam o impacto da estreita relação entre os reis franceses e a Igreja.

Pode-se dizer que a Borgonha e seus vinhos seriam muito diferentes hoje em dia se não fosse pela ação dos monges. E a origem disso é aparceria entre os reis franceses e a igreja, iniciada pela conversão de Clovis em 506. Não há dúvida, portanto, que os burgúndios merecem até hoje ter seu nome refletido em muitas das melhores garrafas de vinho do mundo.

Fontes: The Burgundians: A Vanished Empire, Bart Van Loo; Histoire France

Imagem: Nibelungenlied (1859), Peter von Cornelius retratando Gundahar

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