História e vinho: onde teria começado a moda do vinho importado como artigo de luxo?

O vinho tem uma longa história, com diversas evidências mostrando as áreas montanhosas da Ásia Ocidental, com destaque para a região onde atualmente fica a Geórgia, como o berço da vinicultura. Nestas regiões, a Vitis vinifera é nativa, o que facilitou o preparo desta bebida maravilhosa. E, sendo relativamente fácil de ser elaborado, o vinho rapidamente se popularizou.

Desde então, o vinho segue sendo uma bebida muito consumida nas regiões onde a Vitis vinifera era presente na sua versão não domesticada. Nesta faixa, que se estende desde Portugal até a fronteira oeste da China, à exceção daquelas populações que optaram pela fé muçulmana, o vinho segue até hoje sendo um produto consumido por praticamente todas as camadas sociais.  Não é à toa que boa parte dos países onde ainda hoje o consumo per capita de vinho é mais elevado fica nesta faixa ou tem fortes vínculos culturais com estas nações.

Elitização em outras áreas

No entanto, em regiões onde existe uma maior dificuldade ou impossibilidade de plantação destas videiras, o vinho acabou se tornando um artigo mais elitizado, restrito apenas a uma parcela menor da população. Pense, por exemplo, na Rússia dos Czares, que no século XIX era o maior importador de Champagne do mundo, mas cujo consumo médio per capita era baixíssimo, já que a vodca já era a bebida favorita da maioria da população.

A Grã-Bretanha também entra nesta categoria. Embora bebidas como cerveja, gim e uísque sejam elaboradas localmente e gozem de grande popularidade, não há como negar o papel dos britânicos na criação do mercado moderno de vinhos. Por conta da demanda de segmentos específicos da sociedade britânica, regiões como Bordeaux, Porto, Madeira e Marsala entraram no mapa do vinho mundial. Ao invés do foco em seus respectivos mercados locais, estas regiões se tornaram grandes exportadoras de vinhos.

Uma longa história

Mas onde teria começado a importação de vinhos? Não sendo um artigo popular em regiões não produtoras, certamente seu consumo acabou sendo mais restrito. Ou seja, o vinho seria um artigo de luxo, mais voltado para as camadas mais ricas da população, como no caso da Rússia Czarista. Esta história, porém, começou muito antes da Rússia sequer existir como nação.

Embora o vinho tenha um longo vínculo com a região do Mediterrâneo, uma civilização desta região, em especial, não apresentava condições locais para a elaboração de vinhos feitos a partir de uvas: o Egito. Neste país desértico, eram populares a cerveja e um fermentado elaborado a partir de tâmaras, mas não existiam inicialmente condições para elaboração de vinhos. E, como havia procura, geralmente por segmentos mais ricos ou religiosos, a solução foi importar vinhos.

Evidências de vinhos

Embora seja muito difícil precisar exatamente qual foi a primeira importação de vinho no Egito antigo, os túmulos de faraós deixaram pistas importantes. E, quando pensamos em túmulos de faraós, o primeiro que vem à cabeça é o de Tutancâmon, que reinou entre 1.332 e 1.323 a.C. Este faraó também tinha uma ligação com vinho, já que evidências desta bebida foram encontradas em suas urnas funerárias.

Mas a primeira evidência arqueológica ligando vinhos a faraós é muito mais antiga, tendo ocorrido aproximadamente 1.800 anos antes do reinado de Tutancâmon. Foi no túmulo do faraó Escorpião I, datado de cerca de 3.150 a.C. que foram encontrados sinais de urnas contendo vinhos. Este soberano, já retratado por Hollywood, reinou na parte sul do Egito em uma época em que o país nem havia sido unificado. Por conta disso, sua dinastia é chamada de Dinastia Zero, que precede a primeira dinastia inicialmente classificada (para ter uma ideia, Tutancâmon é da 18ª dinastia).

Em seu túmulo em Abydos, foram identificadas cerca de 700 jarros, com uma capacidade total de cerca de 4.500 litros.  Análises químicas identificaram a presença de ácido tartárico (nesta região do mundo inegavelmente este ácido é ligado ao vinho) nos jarros, o que comprova que esta enorme quantidade de vinho havia sido estocada para garantir uma vida após a morte mais prazerosa ao faraó.

Vinho importado?

Mas como saber se o vinho era importado? Novamente a ciência entra em cena e ajuda a revelar estes segredos do passado. Em primeiro lugar, o formato dos jarros parecia incomum em relação com aqueles fabricados no Egito. Porém, eles encontravam equivalência com recipientes semelhantes datados da mesma época e encontrados no que hoje é Israel e Palestina. Além disso, análises químicas da argila usada para fabricar os vasos também mostraram equivalência com os solos de áreas próximas ao Mar Morto.

E o que dizer das uvas? As análises realizadas dos resquícios encontrados nos jarros não permitem precisar a origem das uvas, porém um detalhe permite confirmar as conclusões obtidas através da análise dos jarros. Na Antiguidade, muitas vezes eram adicionadas resinas de árvores aos vinhos, com o intuito de garantir uma conservação mais longa. No caso dos vinhos estocados no túmulo de Escorpião, a análise da resina de pinho encontrada nos jarros mostra equivalência com plantas existentes na época na região, onde atualmente ficam Líbano, Israel e a Palestina.

Vinho como artigo de luxo

Estas evidências mostram que o vinho teria chegado ao Egito inicialmente como um produto importado. Arqueólogos estimam que a produção a partir de uvas locais teria sido iniciada somente alguns séculos depois, mesmo assim em uma escala reduzida. Apesar de aparentemente ser a bebida favorita de faraós e sacerdotes, a grande maioria da população local não tinha acesso ao vinho. Isso somente mudou a partir da conquista do Egito por Alexandre e o posterior controle do Império Romano.  

O vinho, assim, vem desde então desempenhando um importante papel também como artigo de luxo. Seja no Egito Antigo, na Russia Czarista, na Inglaterra Vitoriana ou em diversas sociedades nos séculos XX e XXI, esta bebida parece ter se dissociado um pouco de suas origens. Mais do que um bem de consumo sofisticado, os principais papéis do vinho ao longo da história têm sido como fonte de prazer, remédio ou mesmo alimento.    

Fontes: Ancient Wine – The first detective story, Patrick McGovern; Ancient Wine, Patrick McGovern

Imagem: Oleg Gamulinskiy via Pixabay

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