O que é vinho natural?

Qual a definição de vinho natural? Você já deve ter ouvido ou feito esta pergunta, que cada dia se torna mais relevante. Afinal de contas, a busca por vinhos menos “industriais” tem mexido com o mundo nas últimas décadas, com impacto maior nas gerações que começam a descobrir as maravilhas do vinho.

Porém, definir o que é vinho natural está longe de ser uma tarefa simples. Até porque “vinho natural”, no sentido literal, simplesmente não existe. Não há vinho sem intervenção humana. Existe um longo processo entre o que está nas uvas e o que acaba dentro de uma garrafa, que não ocorre sem ação do homem. O vinho não é como um suco de laranja, que pode ser rotulado como natural se for resultado do simples processo de espremer esta fruta. Se fizermos o mesmo com as uvas, teremos suco, não vinho.

Intervenção necessária

Mas nada melhor do que ouvir a opinião de quem realmente conhece o assunto. Em uma conversa informal, Matias Michelini, um dos enólogos que ajudaram a revolucionar o vinho argentino e que é algumas vezes associado ao “vinho natural”, deixou clara sua posição sobre esta definição. Elaborando seus vinhos aos pés da Cordilheira dos Andes, ele, de certa forma, ironizou o uso dos termos “vinhos naturais” ou “vinhos sem intervenção”, usando sua experiência como viticultor como exemplo.

Para ele, quem usa estes termos parece “esquecer” o imenso esforço humano necessário para produzir vinhos, a começar pelo trabalho nos vinhedos. Não há vinho, por exemplo, se as videiras não forem cultivadas, seja com podas e outros cuidados nas baixas temperaturas no inverno andino, ou na colheita, que ocorre no forte calor das principais regiões vinícolas na Argentina. São horas e mais horas nestes processos, que não ocorrem naturalmente. Isso antes mesmo de entrar no processo de elaboração em si, que não ocorre de forma natural, mas sim como resultado da ação humana.  

Uma definição mais equilibrada

Mas existe também um sentido “menos literal” para os vinhos naturais. Seriam aqueles vinhos onde a ação do homem é minimizada, ao menos dentro do que seja possível. Este movimento surgiu como resposta à enormes mudanças vistas sobretudo no século XX, onde grande parte do vinho produzido deixou de ser um produto artesanal, mas algo industrial, de produção em massa.

E estas mudanças foram enormes e de grande impacto. A introdução de produtos químicos (herbicidas, pesticidas, fertilizantes químicos, etc.) na viticultura mudou o mundo do vinho. De um lado, ficou mais fácil cuidar dos vinhedos, levando a volumes maiores. De outro, porém, houve um impacto marcante nas características e vida bacteriana dos solos, refletindo diretamente também no processo de produção e na qualidade do vinho.

Com uvas menos saudáveis, aumentou a necessidade de maior intervenção na vinificação. Ao invés do processo relativamente simples que começou há pelo menos 8.000 anos, as adegas se transformaram em verdadeiros laboratórios. Aditivos enológicos e processos industriais ganharam mais espaço, permitindo ao enólogo “corrigir” o vinho para coloca-lo em linha com o gosto dos consumidores. Variáveis como álcool, acidez, textura e até mesmo aromas e sabores podem ser hoje facilmente controladas pela ação do enólogo.

Limites da intervenção

Nem oito, nem oitenta. A questão fundamental é, portanto, buscar identificar qual o limite da intervenção na elaboração de vinhos. Até por isso, prefiro usar o termo “vinho de baixa intervenção” para definir os vinhos que buscam fugir da mesmice industrial. Definir o que seria “baixa”, porém, também é um desafio. Um exemplo foi o lançamento na França, em 2020, da designação Vin Méthode Nature.

Para um vinho fazer parte desta designação, ele teria que cumprir pelo menos 12 pré-requisitos básicos para sua elaboração e comercialização. Porém, mesmo dentro desta segmentação não houve consenso, com dois logos distintos sendo permitidos, de acordo com a quantidade de sulfitos presente nas garrafas. Assim, mesmo em um grupo relativamente pequeno (esta designação cresceu muito pouco desde então), é complicado chegar em uma definição precisa do que seriam estes limites.

Porém, existem alguns pontos quase consensuais. Na viticultura, o uso de princípios ou mesmo certificação orgânica e biodinâmica é um bom ponto de partida. Na vinificação, fermentação com leveduras indígenas é uma pré-condição, sem uso de aditivos ou processos físicos e brutais, como osmose reversa, filtração estéril ou pasteurização. Já temas que despertam muita controvérsia são o uso de sulfitos, controle de temperatura, utilização ou não de madeira, entre tantos outros.

Mais qualidade, menos modismo

Independente da sua definição, um vinho deve entregar qualidade. E talvez em nenhum segmento do mundo do vinho exista tanta controvérsia como no que ficou rotulado como “vinho natural”. De um lado, há aqueles que aceitam vinhos claramente defeituosos em nome da “causa”. Embora isso esteja mudando gradualmente, o modismo acaba ficando em primeiro lugar, em detrimento da qualidade.

De outro lado, até por conta da aceitação de vinhos defeituosos por um certo grupo, outros também radicalizaram. Muitos apreciadores de vinho criaram um preconceito por tudo o que seja rotulado como natural, orgânico e biodinâmico (embora sejam conceitos completamente diferentes). Até por conta desta polarização não justificada (existem vinhos de baixa intervenção de altíssima qualidade, embora também haja aqueles abaixo do aceitável), o fundamental é ter um conceito muito claro.

Não existe vinho ruim na véspera. Não é verdade que, por exemplo, todos os vinhos franceses sejam bons e que todos os chilenos sejam ruins. Há vinhos elaborados a partir de Pinot Noir ou de Riesling que não agradam, assim como existem Malbecs de excelente qualidade. Da mesma forma, é uma imensa bobagem endeusar ou difamar vinhos somente pelos princípios e forma de elaboração. No fundo, é sempre a mesma questão: invista em conhecimento e litragem, ninguém melhor para saber o vinho que te agrada do que você mesmo.  Seja ele “natural” ou não.

Como eu me descrevo? Sou um amante exigente (pode chamar de chato mesmo) de vinhos, um autodidata que segue na eterna busca de vinhos que consigam exprimir, com qualidade, artesanalidade, criatividade e autenticidade, e que fujam dos modismos e das definições vazias. A recompensa é que eles existem, basta procurar!

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Foto: Alessandro Tommasi, arquivo pessoal

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