Polêmica: proposta aprovada em comitê do Parlamento Europeu mexe com o mundo do vinho

Uma decisão tomada por um comitê do Parlamento Europeu no início de dezembro colocou boa parte do setor vitivinícola do Velho Continente em pé de guerra. Como parte de um ambicioso plano para buscar reduzir a incidência de câncer na Europa, foram aprovadas medidas no sentido de conter o consumo de álcool nos países membros da União Europeia. E isso inclui também o vinho.

As medidas, que serão levadas ao plenário do Parlamento Europeu em fevereiro de 2022, deixam muito claras as intenções em relação ao consumo de álcool. “Não há um nível seguro de consumo de álcool”, indica o documento. Isso implica que o objetivo não é somente combater o consumo abusivo, mas sim desincentivar o consumo de álcool em qualquer situação. E isso é algo que as associações de produtores de vinho discordam veementemente.

Reações do setor

Diversas associações de produtores, sobretudo na França e na Itália, deixaram clara sua insatisfação. O principal argumento é que o consumo responsável de vinho deve ser encarado como um patrimônio cultural, inclusive com benefícios comprovados à saúde. A raiz da discussão é a expansão do desincentivo ao consumo de vinho em qualquer situação, já que há consenso de que o consumo abusivo, não só de vinho como outras bebidas, deve ser evitado.

A associação francesa Vignerons Indépendants, que como o nome indica agrega produtores de menor porte, atacou de forma incisiva a decisão tomada em Bruxelas. “Esta decisão é uma provocação, uma declaração de guerra e uma condenação da nossa indústria”, disse o presidente Jean-Marie Fabre, em entrevista para a publicação francesa Vitisphere. O caminho correto, segundo os viticultores franceses, passa pela prevenção e educação, pois a medida pode desmantelar um setor estratégico para a União Europeia.

A Federvini, que desde 1917 defende os interesses de produtores e exportadores italianos de vinhos, também foi dura em sua declaração. Em um discurso que ataca as medidas propostas, levanta a bandeira do direito de escolha dos cidadãos europeus. “Defendemos a excelência italiana e o modelo de consumo deste neo-proibicionismo”. Para a associação italiana, a legislação proposta não contempla qualquer diferença entre consumo e abuso. Ao invés disso, apresenta recomendações radicais, indiscriminadas e indistintas, como propostas de aumento de impostos e fortes restrições em termos de promoção e rotulagem.

Já o Comité Européen des Entreprises Vins (CEEV), que representa os interesses do setor a nível europeu, adotou uma postura mais conciliatória. A CEEV pede ao Parlamento Europeu que reconsidere a declaração do relatório de que “não há nível seguro de consumo de álcool”. Não há dados científicos que apoiem um risco aumentado de câncer quando o vinho é consumido com moderação, com refeições, como parte da dieta mediterrânea e como parte de um estilo de vida saudável.

Beating Cancer Plan

O relatório proposto pelas autoridades de Bruxelas foi aprovado em 9 de dezembro, por 29 votos a favor, um contra e quatro abstenções. O comitê afirmou que o plano de combate ao câncer, chamado de Beating Cancer Plan é um primeiro passo para uma política de saúde mais integrada na União Europeia. A estratégia abrangente que trata do câncer a nível da UE deve servir, segundo os deputados, como modelo para outras doenças não transmissíveis.

Esta votação foi apenas mais uma etapa do processo. Em junho de 2020, o plenário do Parlamento Europeu aprovou a criação da Comissão Especial sobre o Combate ao Câncer, composta por 34 membros titulares. O comitê organizou um processo de consulta, através de uma série de audiências públicas. Foram ouvidos quase 90 especialistas, que atualizaram os membros sobre os mais recentes desenvolvimentos sobre o câncer. Com base nisso, forneceram recomendações políticas baseadas em seu conhecimento e experiência no assunto.

O relatório deixa claro que a Europa conta com um décimo da população mundial, mas responde por um quarto dos casos mundiais de câncer. “A menos que tomemos medidas decisivas, as vidas perdidas para o câncer na UE devem aumentar em mais de 24% até 2035”, tornando-se a principal causa de morte. Estima-se que o impacto econômico global do câncer na Europa ultrapasse € 100 bilhões.

Próximos passos

Após a aprovação pelo comitê, a matéria irá para o plenário do Parlamento Europeu em fevereiro de 2022. Caso aprovada, passará a ter efeito imediato. No total, o Parlamento conta com 705 eurodeputados, com sua composição por país determinada por critérios populacionais. A Alemanha conta com 96 votos, seguida por França (79), Itália (76), Espanha (59) e Polônia (72).

Não há dúvida que muita discussão a níveis de bastidores deve ocorrer, até pela pressão de associações de produtores e mesmo de eleitores de países onde o vinho é uma atividade econômica de grande relevância. Dos 15 maiores produtores mundiais de vinho, segundo estimativas de 2021, sete deles fazem parte da União Europeia (Itália, Espanha, França, Alemanha, Portugal, Romênia e Hungria), países que, somados, têm 385 votos no Parlamento Europeu.

Fonte: Europe’s Beating Cancer Plan; European Parliament; WineNews, Vitisphere; Federvini; Comité Européen des Entreprises Vins

Imagem: Dušan Cvetanović via Pixabay

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