Quebra de safra e preço de vinhos em alta: conheça os mecanismos que minimizam estes impactos

Quem gosta de vinhos de qualidade, sobretudo franceses, certamente ficou preocupado com a forte queda na produção registrada em 2021. Por conta de fenômenos climáticos (fortes geadas em abril, chuvas intensas e doenças nos vinhedos durante o verão), a produção francesa de vinhos caiu 27% em relação ao ano anterior.

E o impacto foi ainda mais intenso em regiões específicas. Em Chablis, que fica no norte da Borgonha, a estimativa de produção ficou entre 150 e 170 mil hectolitros, comparados com uma produção potencial entre 320-340 mhl, uma queda na faixa de 50%. Se os produtores se preocuparam com a quantidade, os consumidores, por sua vez, acabam focando no impacto que isso pode ter sobre os preços dos vinhos.

Porém, o que muita gente não sabe é que existem mecanismos criados para aumentar a oferta de vinhos nestes momentos de crise. Se a natureza não permite safras de volume adequado, os produtores podem recorrer a reservas técnicas, criadas especificamente para permitir que as perdas sejam reduzidas em situações de emergência, como registrado em 2021.

Reserva técnica

Para entender melhor, vale a pena dar um passo atrás e entender como funcionam os volumes permitidos por safra. Todas as denominações de origem colocam limites em relação à produtividade por hectare de vinhedos plantados, com o intuito de garantir vinhos de melhor qualidade. Na denominação de origem Chablis, por exemplo, a produção máxima pode ser de 60 hectolitros de vinho por hectare.

Porém, esta produção, na verdade, é o limite do que pode ser vendido por colheita. As regras permitem que a vinícola produza até 70 hl/ha, desde que esta diferença de 10 hl/ha seja segregada, não podendo ser colocada à venda junto com os demais 60 hl/ha. Este volume de vinho corresponde a uma espécie de reserva técnica, que compõe o que em inglês é chamado de buffer yield. Se esta reserva será comercializada ou não no futuro, isso depende do volume de produção das safras que virão.  

Volume complementar

Este sistema é chamado na França de VCI (Volume Complémentaire Individuel) e consiste, como detalhado acima, na autorização prévia de produção de hectolitros adicionais em relação ao rendimento do ano. Este volume adicional é colocado em reserva por cada produtor e pode ser utilizado (a critério do produtor, mas dentro dos limites definidos) durante safras subsequentes, em caso de déficit quantitativo. 

Até por conta de suas condições climáticas, Chablis foi a primeira região francesa a testar o sistema VCI, em 2005. Ele se mostrou muito eficiente e, em 2013, seu uso foi ampliado para diversas regiões produtoras de vinhos brancos. Em termos de vinhos tintos, os testes realizados na região de Bordeaux desde 2010 foram conclusivos e o esquema VCI passou a ser permitido também para as denominações de origem com foco na produção de vinhos tintos a partir de 2015.

Assim, o VCI funciona com uma espécie de apólice de seguros para compensar safras nas quais a produção fique abaixo do esperado. Por exemplo, em 2021 os rendimentos por hectare em Chablis ficaram na faixa de 25 hl/ha (contra um máximo comercializável de 60hl/ha), abrindo espaço para que os produtores, caso desejem, complementem sua oferta de vinhos com a produção de safras anteriores.

Exemplo e limitações

Embora traga liberdade aos produtores, este sistema tem também diversos mecanismos de proteção à qualidade dos vinhos. Antes de mais nada, a criação ou ampliação desta reserva técnica deve ser autorizada pelo INAO (que regulamenta a vitivinicultura francesa). A cada safra, o produtor pode estocar somente a diferença entre o volume permitido e aquele que inclui a reserva técnica (no caso de Chablis, este volume é de 10hl/ha ao ano).

Há também uma limitação para o estoque total. Até 2018 era permitido acumular o equivalente a 30% do rendimento máximo (no caso de Chablis isso correspondia a 18 hl/ha), mas a regra foi flexibilizada para 50%. Assim, uma denominação de origem com rendimentos máximos de 60 hectolitros por hectare pode ter um VCI teto de 30 hl/ha. Outra limitação é que o volume de vinho VCI da safra atual não pode ser comercializado, apenas estocado para potencial uso em anos seguintes. Além disso, atingidos os limites do teto, os vinhos devem ser “destruídos”, sendo sobretudo usados para destilação.

Reserva de Qualidade e Volume de Substituição

Em paralelo com o VCI, existem outros dois mecanismos usados que consideram a criação ou utilização de estoques de vinho na França. O QR (Réserve Qualitative) é usado sobretudo para vinhos espumantes, dentre eles os Crémant de Bourgogne, Crémant d’Alsace e Crémant de Loire. Não é feito individualmente (as decisões são coletivas), mas fora este ponto, funciona mais ou menos nos mesmos moldes do VCI. Há também algumas mudanças nas limitações e participação mais ativa de órgãos locais, como o a BIVB, no caso da Borgonha.

Já o VSI (Volume de Substituition Individuel) existe há mais tempo e tem seu foco muito mais em aspectos qualitativos do que quantitativos. Foi criado pelo INAO e tem como o objetivo garantir uma melhor qualidade dos vinhos franceses. Ele permite ao produtor substituir vinhos de menor qualidade por outros de safras melhores, previamente estocados. Os vinhos são lançados como sendo da safra mais recente, porém o volume VSI não pode ser mais do que 15% do blend final. Apesar de pioneiro, o sistema é pouco usado (praticamente restrito a vinhos brancos), mas ainda existe.

Auto regulação

Estes mecanismos acabam favorecendo tanto o produtor como o consumidor. De um lado, permitem que perdas na produção sejam compensadas pelos estoques provenientes de colheitas mais favoráveis.  De outro lado, acaba limitando a variação nos preços dos vinhos, reduzindo os gargalos de suprimento em safras complicadas. Além disso, são mecanismos que não usam recursos públicos e que podem ou não ser usados pelos produtores, que têm a palavra final.

Fontes: Chablis; Vins de Bourgogne; Wine Scholar Guild; Vitisphere

Imagem: Lee Chandler via Pixabay

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