Uvas híbridas ou PIWIs na elaboração de vinhos: uma busca por sustentabilidade e qualidade

Quais uvas fazem bons vinhos? Além da eterna discussão entre, por exemplo, quem prefere Pinot Noir ou quem a aprecia mais Cabernet Sauvignon, em países como o Brasil existe uma controvérsia ainda mais ampla. Um dos poucos países do mundo com forte presença de uvas híbridas, a polêmica no Brasil é mais forte, pois há quem defenda a “tradição” de uvas como Isabel, Bordô ou Niagara, enquanto outros nem sequer as levam em consideração como “uvas de verdade”, pois não são da espécie Vitis vinifera.

Antes de entrar na discussão do papel das uvas híbridas na vinicultura, vale a pena refrescar alguns conceitos. Há cerca de 60 espécies diferentes de Vitis (quem chamamos de uvas), sendo a Vitis vinifera uma delas. Ele é, porém, de longe a mais usada para a elaboração de vinhos. Praticamente todas as variedades usadas para produzir vinhos de qualidade pertencem a esta espécie, desde as mais internacionais, como a Chardonnay, até as locais, como Dolcetto ou Romorantin.

Porém, há também vinhos elaborados de outras espécies, a maioria deles a partir de uvas híbridas. Ao contrário dos cruzamentos (que surgiram a partir de variedades da mesma espécie – intraespecífico), há também variedades que resultam do cruzamento de duas espécies diferentes (interespecífico). No caso das uvas, a maioria destas variedades híbridas tem de um lado, alguma variedade de Vitis vinifera, e, de outro, alguma espécie de uva americana, como Vitis labrusca ou Vitis aestivalis.

Híbridas para que?

De forma, geral, o mundo do vinho tem preferido, de forma esmagadora, as variedades de Vitis vinifera como as uvas usadas na hora de elaborar vinhos. A justificativa é que geram vinhos de melhor qualidade. Em algumas regiões, como a União Europeia, por exemplo, outras espécies ou híbridas não podem ser usadas na elaboração de vinhos finos.

Mas por que algumas regiões ainda insistem no cultivo de variedades híbridas? A primeira justificativa é simples: nem todas as uvas são usadas para a elaboração de vinhos, há uma porcentagem enorme da produção usada para outros objetivos, desde a comercialização de uvas in natura, uvas passificadas e suco de uva. A segunda justificativa também faz sentido: em geral, uvas híbridas são de cultivo mais fácil, pois possuem proteção natural contra algumas pragas e doenças.

E é esta característica que tem levado ao ressurgimento do debate sobre o papel das uvas híbridas na vinicultura. Por conta de diversos fatores, o cultivo de vinhedos em algumas regiões é mais difícil. E são estas dificuldades (por exemplo, muitas doenças fúngicas) que levam os viticultores a usar produtos químicos para proteger seus vinhedos. Com o aumento da conscientização a respeito da sustentabilidade, veio à tona a questão: por que não plantar uvas de cultivo mais fácil, que necessitam menos de proteção contra pragas?

Um pouco de história

Curiosamente, foi exatamente a busca de videiras mais adaptadas às condições locais que levou ao desenvolvimento das uvas híbridas. As primeiras uvas híbridas foram criadas nos Estados Unidos no século XIX, com o intuito de facilitar a produção local de vinhos. A realidade era que as plantas importadas da Europa (diversas variedades de Vitis vinifera), não se desenvolviam de forma adequada, em função de uma série de pragas locais, entre elas a filoxera e o míldio.

Como as espécies locais (entre elas Vitis labrusca e Vitis aestivalis) não permitiam a elaboração de vinhos de qualidade, a alternativa foi criar híbridas entre estas espécies e a Vitis vinifera. Algumas das híbridas mais difundidas no mundo surgiram nesta época, como Isabel (1816), Clinton (1835), Bordô (1844), Concord (1854) e Niagara (1872). Rapidamente, estas uvas passaram a ser usadas como alternativas à Vitis vinifera em diversos países, entre eles o Brasil. Não é à toa que existe uma tradição destas variedades aqui, pois coincidiu com uma importante onda de popularização da vinicultura no Brasil.

Baixa aceitação e novas híbridas

Porém, se de um lado são mais fáceis de cultivar, com menos trabalho requerido nos vinhedos, estas híbridas resultam em vinhos considerados como de pior qualidade. Estes vinhos, sobretudo das uvas com maior participação genética da Vitis labrusca, mostram sabores que lembram frutas sintéticas, algo que parece artificial na comparação com as variedades de Vitis vinifera. Isso levou a um uso decrescente delas para a elaboração de vinhos em grande parte do mundo.

Porém, a necessidade de uvas mais resistentes a doenças e mais adaptáveis a diversas regiões continuou. E isso levou ao que pode ser chamado do segundo ciclo de desenvolvimento das híbridas. Ao contrário do primeiro, centrado nos Estados Unidos, o segundo teve a França como epicentro, concentrado sobretudo no início do século XX. O resultado foi a criação de híbridas como Baco Noir, Maréchal Foch, Seyval Blanc e Vidal. De forma geral, as uvas mostraram características mais adequadas para a elaboração de vinhos, mas não conseguiram romper o preconceito existente com as híbridas.

Terceiro ciclo e PIWIs

Todavia, a busca por híbridas mais adequadas não parou por aí. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha passou a liderar a busca por uvas com maior resistência a doenças, inaugurando o que pode ser chamado terceiro ciclo das híbridas. Os alemães, inclusive, criaram um termo novo para denominá-las: PIWIs. O nome vem da expressão PIlzWIderstandsfähige Rebsorten, que pode ser traduzida como “variedades de uvas resistentes a fungos”.

Desde então, as técnicas de cruzamento se modernizaram de forma acelerada. Ao invés de um cruzamento simples entre Vitis vinifera e outra espécie, agora os processos são muitos mais sofisticados, com milhares de cruzamentos, incluindo múltiplas gerações de uvas. Isso resulta em uvas que descendem de mais 50 variedades diferentes, sempre na busca da melhor combinação entre resistência a doenças e qualidade dos vinhos.

Entre as novas variedades criadas estão Regent, Cabernet Cortis, Solaris, Rondo, Souvignier Gris ou La Crescent (esta última desenvolvida nos Estados Unidos). De forma geral, a percepção é que algumas delas já apresentam o nível de qualidade suficiente para romper o preconceito e, portanto, passarem a ser usadas em maior escala na elaboração de vinhos de qualidade. Para quem quiser provar os vinhos, já existem diversos produtores trabalhando de forma comercial com estas híbridas.    

Fonte: Hybrids or PIWIs: The future of wine? Simon Woolf

Imagem: Montagem com Lebensmittelfotos e Arek Socha ambos via Pixabay

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