Châteauneuf-du-Pape, um clássico do sul da França

Impossível não se impressionar com a garrafa de um Châteauneuf-du-Pape. Mesmo aqueles que não tenham nenhuma familiaridade com o vinho, e suas inúmeras histórias, são impactados com o vistoso brasão em relevo na garrafa. E não se trata de um “brasão qualquer”. Em estilo gótico, o símbolo representa uma coroa papal protegida pelas chaves de São Pedro, o primeiro dos papas, que segundo a fé cristã “guarda a porta do reino dos céus”.

E será sobre esse vinho tão especial que iremos nos debruçar na coluna desse mês.

A origem do nome

Por cerca de sete décadas, no século XIV, pela primeira e única vez na história, o Papa deixou o Vaticano e passou a residir em outro local. A região escolhida foi o sul da França, na cidade de Avignon. A mudança foi motivada por conflitos que inviabilizaram a presença do líder da Igreja Católica em seu local tradicional.

Como a mudança se deu sem um planejamento prévio, a cidade sofria com os típicos problemas urbanos decorrentes do inesperado crescimento populacional. Assim, com o objetivo de abrigar o Papa em alguns períodos do ano em que a falta de infraestrutura, especialmente ligadas ao saneamento, traziam desconforto aos ilustres moradores, a cúpula da Igreja decidiu construir um “Castelo Novo para o Papa”, em francês ChâteauNeuf-du-Pape. O local ficava a cerca de 20 quilômetros de Avignon. E para abastecer o Papa e todos a sua volta, foram plantados vinhedos para a produção de vinhos. Nascia, assim, os vinhos “do Castelo Novo do Papa”.

Infelizmente, hoje só restam ruínas desse castelo, mas em seu entorno surgiu um vilarejo, chamado Châteauneuf-du-Pape, que hoje tem suas atividades praticamente devotadas à produção e comercialização de vinhos.

A região vinícola de CdP

Châteauneuf-du-Pape (ou CdP) foi a primeira apelação de origem controlada (AOC) da França, criada em 1936. Naquele momento foi estabelecido que todos os vinhos da AOC levariam o brasão do Papa, em relevo, na garrafa.

Em 2019 tinha uma área plantada de 3.146 hectares de vinhedos. A título de comparação, seria equivalente a 10% de toda produção da Borgonha. É, portanto, uma região que produz um significativo volume. E como veremos mais adiante, esse será um ponto relevante para tentar definir o estilo do vinho produzido. Os tintos representam 92% do volume total, mas, apesar do volume menor, os brancos se destacam por um estilo único, que não iremos abordar nessa coluna, mas vale o registro.

Quantas variedades de uvas podem ser usadas, 13 ou 18?

Esse é um tema que desperta muito debate. Não existe uma única resposta certa para essa questão. São nove variedades tintas e nove variedades brancas. E como 9+9=18, por que existe a dúvida?

Ocorre que algumas variedades podem ser contatas duas vezes. É o caso da Grenache, uma tinta que tem uma mutação, a Grenache Branca. Por isso a confusão. Alguns contam a Grenache apenas uma vez e, outros contam duas vezes. Sem contar que existe ainda uma outra Grenache, a Gris. Ou seja, são três “Grenaches” no total.

Assim como a Grenache, as outras que se enquadram no mesmo critério são: Piquepoul Noir (e Blanc), Clairette (e Rosé), Piquepoul Noir (Blanc e Gris). Em todo caso, vale lembrar que a Grenache é a uva mais utilizada no blend, seguida da Syrah, Mourvèdre, Cinsault e Vaccarese.

A diversidade do CdP tinto

A zona de produção do CdP ocupa uma vasta área e possui quatro tipos de solos predominantes. Há 138 lieux-dits na zona de produção do CdP. Mas enquanto na Borgonha esse conceito está ligado ao terroir, como característica do solo e micro temperatura, aqui o conceito é ligado a localização do terreno e também à vinícola. 

A figura acima, extraída do site Vins Rhône, mostra que em termos de solos há quatro grandes grupos (considerando que Mont-Redon e Le Crau plateau são similares). Sem entrarmos no mérito das características específicas de cada tipo de solo, somado ao fato do grande número de variedades de uvas usadas na produção dos vinhos, assim como o tamanho da área, é crível supor que exista uma grande diversidade nos vinhos dessa região. E de fato, existem.

De uma forma geral, os vinhos são ricos, generosos e potentes, normalmente encorpados. Além disso são alcoólicos (14,5-15,5%) e costumam mostrar, quando jovens uma grande intensidade aromática de frutas, como morango e ameixa madura. A acidez costuma ser moderada e os taninos dependem do blend. Os melhores exemplares costumam envelhecer muito bem e tendem a ser carnudos, grandiosos e majestosos.

Diferentes estilos

Usando como fonte o livro que talvez seja o mais completo sobre o Rhône, do autor Matt Walls, Wines of Rhône, podemos segmentar os vinhos do CdP nos seguintes estilos, com os seguintes produtores como representantes do estilo:

Estilo tradicional que replica o conceito apresentado acima, com os produtores Domaine du Banneret e Pegau

Mais finos, ou seja, menos encorpados. Apesar do exagero da comparação, o autor define-o como a la Bourgogne: Clos de Papes e Bois de Boursan

Vinhos mais elegantes e com mais vivacidade (em função da relativa maior acidez): La Barroche, Saint Préfert e Clos du Caillou

Mais encorpados: Vieux Télégraphe, La Janasse

Mais macios e tratado pelo autor como estilo moderno: Clos Saint Jean e Vaudieu

Estilo único e sem comparação: Château Rayas, Rotem & Mounir Saouma

Um produtor … um vinho

Na AOC existe apenas um tipo de vinho: Châteauneuf-du-Pape. Chama a atenção de quem visita a região, que um produtor oferece apenas um vinho tinto nas degustações, variando apenas a safra

Para registro, vale dizer que recentemente estão sendo também produzidos os chamados Cuvée Spéciale, que não possuem uma regulamentação na AOC, mas é uma tentativa de ampliar a oferta, com vinhos supostamente especiais (vinhas velhas, safras excepcionais, etc).

O Chateauneuf-du-Pape em poucas palavras

Como foi mostrado aqui, há vários estilos de CdP. Alguns são realmente excepcionais, outros nem tanto. Chama a atenção que, no mercado brasileiro, o preço ao consumidor geralmente começa em patamares elevados. No entanto, na França é possível encontrar esse vinho em supermercados, nas faixas mais baixas de preço.

Isso nos leva a crer que enquanto no seu mercado local quem compra e vende vinho parece reconhecer a diversidade do estilo, e precificá-lo de forma adequada, o mesmo não se pode dizer do Brasil. Por aqui parece que a boa imagem da AOC se reflete nos altos preços praticados de alguns rótulos, independente do conteúdo da garrafa.

Por essas, e tantas outras, o conhecimento é o melhor caminho para não “entrar em fria”. Quem for capaz de separar “o joio do trigo” poderá ter boas experiências com esse estilo.

Renato Nahas é Professor da ABS-Campinas. Concluiu a certificação de Bourgogne Master Level da WSG e é Formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWE e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Fotos: Renato Nahas, arquivo pessoal

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