Saint-Nicolas-de-Bourgueil: Loire com foco na Cabernet Franc

Possivelmente originária do País Basco e cultivada em diversas parte do mundo, a Cabernet Franc parece ter encontrado em algumas áreas ao longo do Loire seu endereço ideal. Mesmo em outras regiões francesas onde ela ocupa posição de destaque, como em Bordeaux, ela não é a estrela principal. Mas na porção central do Vale do Loire, mais especificamente em Saumur e no oeste da Touraine, ela ganhou protagonismo.

Dentre as denominações de origem do Loire onde ela se destaca, aparece Saint-Nicolas-de-Bourgueil. Pouca gente sabe, mas ela é a terceira maior produtora de vinhos tintos do Loire, somente atrás de Saumur-Champigny e Chinon, e à frente de sua denominação-irmã, Bourgueil. Ela é também a única denominação de origem do Loire onde a área delineada corresponde exatamente a de um município, de mesmo nome.  

Mapa de Saint-Nicolas-de-Bourgueil

História compartilhada

Boa parte da história do vinho de Saint-Nicolas-de-Bourgueil seguiu em paralelo com a vizinha Bourgueil, sobretudo por conta da fundação da Abadia de Bourgueil, em 990, que mudou os rumos da vinicultura local. Até a época da Revolução Francesa, os dois vilarejos tinham ligação próxima (Saint-Nicolas era parte de Bourgueil), mas isso mudou com o estabelecimento de novas fronteiras após o período revolucionário.

Esta divisão administrativa acabou sendo decisiva quando da criação das duas denominações de origem em 1937. Enquanto os vinhedos de diversas communes foram incluídos dentro da Bourgueil AOC, aqueles de Saint-Nicolas deram origem a uma denominação de origem independente. Pesou para esta decisão o fato do prefeito de Saint-Nicolas ser um vinicultor importante. Porém, até hoje os produtores de Saint-Nicolas podem engarrafar seus vinhos como Bourgueil, embora isso seja bastante raro.   

A denominação de origem

Criada em 31 de julho de 1937, exatamente no mesmo dia que a denominação vizinha de Bourgueil, a Saint-Nicolas-de-Bourgueil AOC hoje conta com cerca de 1.078 hectares de vinhedos, totalmente plantados com uvas tintas. Assim como em Bourgueil, existe a possibilidade de usar até 10% de Cabernet Sauvignon nos vinhos. Na prática, porém, a Cabernet Franc controla inteiramente os vinhedos e, portanto, os vinhos. Cerca de 99% dos vinhos são tintos, com o restante elaborado em rosé.

A produção total em 2019 foi de 47,1 mil hectolitros, o equivalente a 6,3 milhões de garrafas ao ano. Suas regras de produção são praticamente idênticas às de Bourgueil, inclusive o rendimento máximo, limitado a 55 hectolitros por hectare. A maior diferença fica no prazo para lançamento dos vinhos, que é algumas semanas maior no caso de Saint-Nicolas-de-Bourgueil.

Geografia e terroir

Também as condições geográficas e de terroir são similares com Bourgueil, embora as temperaturas médias sejam ligeiramente mais altas. Com grande predominância de vinhedos de orientação sul, a área geográfica tem seu limite ao norte determinado pela floresta de Gâtine. Já ao sul, ao contrário de Borgueil, a área de Saint-Nicolas-de-Bourgueil não chega até as margens do Loire. A leste fica Bourgueil, com a denominação de origem Saumur diretamente a oeste.

Seu perfil geológico pode ser dividido em três grupos distintos. A parte mais baixa, ao sul, é composta por solos aluviais mais modernos, que gradualmente ganham maior concentração de areias do período Cenomaniano. As encostas, que concentram a maior parcela de vinhedos, contam com diversos terraços de solos de tuffeau branco e amarelo. Já a parte mais alta, coberta pela floresta, tem solos de areias do período Senoniano e de origem eólica.

Perfil geológico

Os vinhos de Saint-Nicolas-de-Bourgueil

Da mesma forma que em Bourgueil, os produtores costumam dividir seus vinhos em dois grupos diferentes: os de solos aluviais e aqueles de solos de tuffeau. Nas partes mais as sul e próximas ao Loire, os solos são aluviais e arenosos, resultando em vinhos mais frutados (com aromas destacados de framboesa), leves e recomendados para consumo mais rápido. São chamados localmente de vinhos de primavera.

Já nos vinhedos de maior altitude, que não superam 100 metros a partir do nível do mar, predominam os solos de tuffeau. Este perfil de solo, com alta concentração de calcário, traz um enorme diferencial às videiras nele plantado. Dá origem a vinhos mais estruturados e de boa intensidade, com grande capacidade de guarda.

Na comparação com Bourgueil são, em geral, vinhos considerados um pouco mais leves, com maior presença de frutas vermelhas e taninos mais discretos. Deste modo, antes de escolher um vinho de Saint-Nicolas, é fundamental identificar sua origem. Dependendo da composição de solo, o perfil do vinho pode mudar de forma significativa.

Principais produtores

Embora não tenha a quantidade e a diversidade de produtores de Bourgueil, vários nomes sediados em Saint-Nicolas se destacam. Exemplos são Xavier Amirault, Domaine de la Cotelleraie, Domaine du Mortier, Frédéric Mabileau, Joël Taluau & Thierry Foltzenlogel e Vins Cognard. Além disso, diversos vinicultores baseados na denominação vizinha atuam também em Saint-Nicolas, entre eles Aurélien Revillot, Yannick Amirault e Laurent Herlin.

Fontes: Loire Master Level Study Manual, Wine Scholar Guild; The Wine Doctor; Cahier des Charges de L’appellation d’origine Saint-Nicolas-de-Bourgueil; Loire Valley Wine Economic Report, Vins de Loire

Imagem: SNB Communication Garcia, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0, via Wikimedia Commons

Mapas: Vins du Val de Loire

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