Seca na Europa e os vinhos da safra 2002: o que esperar?

O ano de 2022 provavelmente ficará entre os mais secos da história recente. E isso é um fenômeno em escala global. Se o Sudeste brasileiro está há semanas sem chuva, eventos similares ocorrem ao redor do mundo, afetando milhões de pessoas. Além do impacto sobre vidas humanas (já são milhares de vítimas da seca e calor na Europa e América do Norte), os impactos sobre a agricultura, inclusive a viticultura, são severos.

No oeste dos Estados Unidos, incluindo suas principais regiões vinícolas, a seca mostra um grau de intensidade inédito. A declaração do secretário da Agência de Recursos Naturais da Califórnia, Wade Crowfoot, deixa isso claro. “Estamos enfrentando uma piora da seca na maior parte do Oeste americano, algo sem precedentes”. Por exemplo, a bacia do Rio Colorado fornece água para sete estados e dois países e já sofre da seca ou escassez de água há mais de 20 anos. “Aparentemente, este é o período mais seco registrado em 1.200 anos.”

Calamidade na Europa

A seca em grande parte da Europa é severa. Houve chuvas abaixo do esperado na primavera e inverno, 19% abaixo da média de 1991-2020 em todas as áreas com risco de alerta na UE e Reino Unido, e 22% em áreas sob alerta de seca. E isso foi exacerbado pelas ondas de calor precoces. O fluxo dos rios em vários países foi severamente afetado, com volumes de água muito menores. Isso exige medidas extraordinárias de gestão de água e energia nos países afetados, inclusive com o desvio de água da agricultura para o consumo das cidades.

A falta de chuvas faz o teor de água do solo diminuir de forma significativa. Por sua vez, isso torna mais difícil para as plantas extrair água do solo, levando a um estresse generalizado na vegetação. E isso tem sido um fenômeno continental, como por exemplo nas planícies italianas, no sul, centro e oeste da França, no centro da Alemanha e leste da Hungria, Portugal e no norte da Espanha.

Os dados de um grupo de estudo da Comissão Europeia mostram que 44% das áreas da UE e Reino Unido estão próximas do alerta de seca, com 9% já nesta situação. Este estresse hídrico e térmico está reduzindo o rendimento de várias culturas, desde cereais a frutas e legumes. França, Romênia, Espanha, Portugal e Itália precisarão lidar com a redução de sua produção agrícola. Alemanha, Polônia, Hungria, Eslovênia e Croácia também estão sendo impactadas.

Temperaturas recordes e incêndios

Os termômetros estão batendo recordes na Europa. As temperaturas incomuns em junho e julho vêm depois que a Espanha experimentou seu maio mais quente em pelo menos 100 anos, segundo a Agência Meteorológica Espanhola. O Reino Unido viu as temperaturas superarem 40 graus pela primeira vez na história. Em Portugal, os termômetros superaram 47 graus em Pinhão, no sul do país.

Uma consequência deste cenário é a proliferação de incêndios florestais. Dois grandes incêndios ao sul de Bordeaux forçaram a evacuação de 14.000 pessoas. O incêndio perto da cidade de Landiras, ao sul de um vale de vinhedos de Bordeaux, forçou as autoridades a evacuar 4.100 pessoas. A Itália sofreu eventos isolados, até por conta da falta de água para combater as chamas. Incêndios de grande proporção atingem também Espanha, Grécia, Croácia, Hungria e Portugal.

Restrições ao uso de água

A França segue sendo uma das áreas mais afetadas pela seca. Com seca pelo terceiro ano seguido, os níveis de rios e reservatórios estão baixos em todo o país. Isso leva a restrições de água cada vez mais severas. “Temos um número recorde de departamentos com restrições”, disse o Ministério do Meio Ambiente francês, citando que 90 das 96 regiões administrativas (os departaments) foram afetadas.

As medidas mais severas de economia de água – incluindo a proibição da irrigação para terras agrícolas – estão em vigor no noroeste da bacia do rio Loire, bem como no sudeste, ao redor do Rhone. Desde o início do ano, 151 dias em 204 tiveram uma temperatura média acima da média de longo prazo, um recorde desde 1947, de acordo com o serviço nacional de meteorologia.

Na região de Franche-Comte (que inclui Borgonha e Jura), a escassez de água tornou-se tão severa que vários vilarejos agora dependem de caminhões de água para seu consumo e cultivo. “O preço da água dobrou ou até triplicou em comparação com alguns anos atrás”, disse a agricultora local Aurelie Binet à televisão France 3.

Impacto sobre a viticultura

Além do potencial impacto dos incêndios florestais sobre os vinhedos do Bordeaux, a seca atinge diretamente a viticultura em outras regiões. Nos vinhedos de Borgonha, os produtores de vinho esperam que a colheita deste ano seja pequena e precoce. Ela deve lembrar o ano de 2020, quando a vindima começou em agosto.

No Pomerol, na região de Bordeaux, os viticultores solicitaram que a proibição histórica de uso de irrigação nos vinhedos fosse suspensa, por conta do temor de perda de safra. “Condições climáticas e os pedidos de um número de viticultores foram citados como as razões para Jean-Marie Garde, presidente da denominação Pomerol, pedir ao órgão regulador INAO (Institut National de l’Origine et de la Qualité), reverter temporariamente a proibição de longa data da irrigação.

E reação do INAO que regula os vinhedos franceses, mostra a seriedade da situação. O órgão “considera seu pedido justificado e concede uma exceção à proibição da irrigação das videiras adequadas para a produção de vinhos com uma designação controlada por Pomerol de origem a partir de hoje [20 de julho de 2022] e no último 15 de agosto de 2022″.

O que esperar dos vinhos da safra 2022?

Ainda é cedo para medir o impacto da seca sobre a qualidade dos vinhos. De forma geral, anos quentes e secos tendem a gerar vinhos mais alcóolicos e encorpados, com menor acidez e presença mais marcante de aromas e sabores de frutas maduras. Além disso, estas condições aumentam ainda mais o descompasso entre as maturações tecnológica e fenólica. As uvas já têm muito açúcar, mas os taninos ainda não estão prontos.

Do ponto de vista de quantidade, porém, as condições devem levar a uma redução no volume da safra. Videiras mais jovens sofrem muito mais com o déficit hídrico, enquanto vinhas plantadas em solos menos profundos podem apresentar a mesma condição. Não há estatísticas preliminares sobre os volumes produzidos, até porque o comportamento do clima no mês de agosto será crucial. Mas o pessimismo predomina em algumas regiões. Se o preço dos vinhos segue batendo recordes nos últimos meses, uma menor safra em 2022 pode trazer ainda mais lenha para esta fogueira.

Fontes: European Comission; Federvini; Decanter; AgInfo; Phys.org

Imagem: Sven Lachmann via Pixabay

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