Un point c’est tout: crise e busca de novos rumos para a viticultura na França

A viticultura na França vive um momento muito difícil. Por conta da forte queda na demanda e alta probabilidade deste movimento seguir nos próximos anos, a extração de amplas áreas de videiras parece inevitável. Há quem fale de até 100 mil hectares nos próximos dois a três anos, mais de 12% da área plantada atualmente, equivalente ao total de vinhedos da Alemanha.

Mas existe um outro problema, também consequência da ação humana. Por conta de práticas no plantio e cultivo dos vinhedos a partir da década de 1990, muitas videiras estão morrendo de forma precoce. Se no passado era comum que as videiras chegassem a até 100 anos de vida, o que se vê hoje são vinhas definhando com apenas 20 anos de idade. E isso não ocorre somente na França, mas também em outros países europeus.

Esta constatação, suas causas e consequências foram tema do documentário Un point c’est tout! (um ponto e basta). Com pouco mais de 50 minutos de duração, contou com a participação de nomes de peso da vitivinicultura da França. Entre outros, destaque para os depoimentos de Lalou Bize Leroy (Domaine Leroy), Anselme Selosse (Jacques Selosse), Thierry Germain (Domaine des Roches Neuves), Jean-Louis Chave (Domaine Jean-Louis Chave), Jean-Batiste Lecaillon (Champagne Louis Roederer) e Peter Sisseck (Dominio de Pingus e Château Rocheyron).

“Industrialização dos vinhedos”

Produzido e distribuído pela Pépinière Bérrillon, um dos principais viveiros de videiras da França, o documentário evidencia um cenário desafiador. Para Jean-Batiste Lecaillon, as “práticas industriais” adotadas nos vinhedos estão levando a um cenário desastroso. Ele se refere ao movimento que impulsionou o uso de seleção clonal para novos vinhedos ou substituição de outros mais antigos. Esta tendência começou na década de 1970 e ganhou corpo, sobretudo, a partir da década de 1990.

O enólogo da Champagne Louis Roederer enxerga a necessidade urgente de mudanças. Ou seja, fazer o inverso do que foi feito a partir da década de 1970, até por conta do maior risco decorrente de fenômenos extremos, causados pelo aquecimento global. Hoje, seu grande objetivo é reestabelecer a diversidade, permitindo que as videiras possam desenvolver seus próprios mecanismos de defesa.

Caroline Chevallier, do Château de Villeneuve, divide esta preocupação. “Hoje as vinhas não duram mais de 20 anos” se referindo àquelas de seleção clonal. Já as videiras plantadas nos anos 1940 e 1950, usando seleção massal, seguem vivas, podendo chegar aos 100 anos. Jerôme Bressy, da Domaine Gourt de Mautens, lista uma série de problemas com videiras com clones plantados por ele nos anos 1980. Elas eram suscetíveis a várias doenças, como esca, pé negro, queda de folhas ou deficiência de potássio. Ele decidiu extrair estas videiras, até porque a qualidade das uvas era ruim, muitas delas sequer passavam da mesa de triagem.

Seleção massal versus seleção clonal

Por séculos, o método de seleção massal dominou os vinhedos. Ele se resume à prática de replantio ou plantio de novas áreas com o uso de estacas de videiras antigas e/ou de alta qualidade da mesma propriedade, ou mesmo ou das proximidades. Porém, esta técnica carrega um risco. Caso as videiras “originais” apresentem enfermidades, estas poderiam ser “repassadas” para os novos vinhedos. Por conta disso, a partir da década de 1970, cientistas de algumas instituições, com destaque para a UC Davis, na California, buscaram um novo caminho. O objetivo era reduzir a incidência destas doenças nas estacas de videiras.

A seleção clonal foi vista como a solução. Após certificadas como “saudáveis”, algumas plantas eram registradas como clones e propagadas em berçários. A partir daí, foi um passo para sua disponibilização e venda a viticultores ao redor do mundo. Estas novas plantas, geneticamente idênticas, pareciam a solução para contar a disseminação de várias doenças nas videiras.

Além disso, cada clone possui características específicas, facilitando o trabalho de enólogo em obter um vinho com o perfil mais adequado para suas necessidades. Assim, além de atacar a questão de propagação de doenças nos vinhedos, a seleção clonal permitia a adequação dos vinhos aos gostos dos enólogos ou consumidores. O resultado? Na primeira década dos anos 2000, o que mais se falava entre os vinhateiros era a seleção de clones.

O tempo é soberano

Porém, a estratégia não obteve os objetivos previstos. Esta opinião é consensual entre os diversos produtores participantes no documentário. A sommeliére Paz Levinson resume o quadro: “O que se viu foi a dramática redução da expectativa de vida das videiras”. Isso acabou tendo impacto também na qualidade dos vinhos. Por não passarem dos vinte anos de vida, estas videiras acabaram dando origem a vinhos sem complexidade.

A percepção de que grandes vinhos têm origem em videiras mais velhas parece unânime entre os entrevistados. Para Lalou Bize Leroy, que afirma que nunca arrancou uma videira viva, as vinhas precisam de pelo menos 30 anos para “dizerem algo”. E também sua forma de cultivo é determinante. “As videiras devem buscar sua própria sobrevivência, sem fertilizantes ou outros insumos.  Um vinhedo deve ser como um vilarejo: ter uma população diversificada, com idosos, indivíduos de meia idade, crianças e bebês”

Thierry Germain reforça a questão da longevidade. Um vinícola precisa de pelo menos, 30 a 40 anos para atingir o estágio no qual consegue entregar grandes vinhos. Isso, porém, somente pode ocorrer se as videiras atingirem uma idade mais avançada. Para tal, é essencial que tenham origem em seleção massal, tendo resistência natural e adaptabilidade às condições em seus respectivos vinhedos.

Mudança de paradigma

A importância do tempo e o quanto ela reflete o terroir é fundamental também para Anselme Selosse. Ele resume seu papel como vinhateiro: “Nosso trabalho é cultivar uma planta, de forma que ela prospere em uma parcela e capture os aspectos intangíveis deste local e possa encorpá-los no vinho. E que este seja dividido pelo maior número possível de pessoas.

Jean-Louis Chave coloca em evidência o quanto a seleção clonal entra em choque com a elaboração de vinhos autênticos. “Neste caso, a variedade fica acima do terroir. O vinho, porém, deve exprimir o solo e a origem, não a variedade ou as técnicas usadas. A vinha é mais importante que o vinho” Ele conclui deixando claro que a diversidade proporcionada pela seleção massal é fundamental também para manter a saúde e energia dos vinhedos.

Embora tenha sido produzido por um viveiro de mudas e ferrenho defensor da seleção massal, o que pode indicar um claro viés, o documentário traz argumentos convincentes. A viticultura vive hoje diversos desafios e a busca por vinhos de qualidade, que fujam da rotulação de “vinho industrial”, exige uma mudança de rumo. Uma maior atenção aos vinhedos é fundamental, sobretudo com uso de técnicas tradicionais, que abandonem os excessos de intervenção, como uso de fertilizantes, pesticidas, herbicidas, ou mesmo seleção clonal.

Fontes: Pépinière Berillon; WineNews

Imagem: Francisco Muñoz Mendieta via Pixabay

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