Uva autóctone: você sabe qual a definição precisa deste termo?

O mundo do vinho está repleto de termos que podem parecer confusos ou de difícil compreensão para muita gente. E um deles, certamente, é o conceito de uvas autóctones. Ele é usado de forma crescente, até porque, nos últimos anos, quem gosta de vinhos se vê diante de uma gama muito maior e mais diversificada de variedades. E as uvas autóctones desempenham um importante papel neste contexto.  

Para decifrar este conceito, vale a pena entender o significado da palavra autóctone. A raiz desta palavra remonta à expressão grega autochthon, que, por sua vez, combina duas palavras. A primeira é autòs, muito usada em outras palavras e expressões e que indica algo próprio. Já chthón, representa algo que vem da Terra, no sentido de origem. Assim, autóctone indicaria algo provenientes da própria terra, no sentido de apontar sua origem.

Uvas autóctones

Usando o critério acima, portanto, uva autóctone seria aquela plantada em sua região de origem. A definição pode ser expandida para uma uva que teria surgido como resultado de cruzamentos naturais ou mutação em uma determinada área de cultivo, com uma longa história nessa área. Por exemplo, a Pinot Noir, que tem sua origem na Borgonha, seria uma uva autóctone quando plantada nesta região. Caso seja cultivada no Chile, Austrália ou uma infinidade de locais fora da Borgonha, não pode ser chamada de autóctone. Nestes casos, o termo a ser usado é alóctone.

O uso de uvas autóctones vem sendo discutido de forma cada vez maior nos últimos anos e tem uma ligação muito forte com o conceito de terroir. Cada dia mais tem se dado maior atenção à combinação entre uvas autóctones e terroir. Uma situação típica: em um passado recente, algumas uvas francesas passaram a ser plantadas de forma extensiva em outras regiões. Isso incluiu áreas onde já existiam outras variedades, na maior parte das vezes autóctones.

Uvas alóctones versus autóctones

Por exemplo, a introdução de variedades alóctones, ou internacionais, como as vezes são chamadas, (como Pinot Noir, Chardonnay, Cabernet Sauvignon etc) em países como Itália, Portugal ou Espanha ocorreu através do plantio destas no lugar de uvas autóctones. O objetivo era a produção de vinhos que refletissem as características dos exemplares franceses, mesmo que estas variedades não fossem aquelas que melhor se adaptam a estes locais distintos.

Esta prática levou, em algumas regiões, a uma enorme diminuição das áreas plantas de uvas autóctones, justamente aquelas que historicamente melhor se adaptaram às características de cada região. Embora este movimento tenha perdido força nos últimos anos (inclusive com o replantio de variedades autóctones), muitas regiões sofreram com perda de tipicidade, passando a produzir vinhos menos autênticos e que não refletem seu terroir.

Local ou tradição?

Porém, a utilização do conceito de uvas autóctones também tem sido colocado em xeque nos últimos anos. Por conta do uso de inúmeras técnicas, sobretudo genética, pesquisadores têm obtido sucesso em identificar o local de origem de muitas variedades. O problema é que estes locais, porém, muitas vezes não correspondem àqueles historicamente associados com as uvas.

Por exemplo, quem conhece vinhos italianos normalmente associa a uva Sangiovese à Toscana, região onde possivelmente atinge sua melhor expressão. A Sangiovese, assim, é sempre lembrada como autóctone desta região. Mas existe um “pequeno” problema. Pesquisadores concluíram que a Sangiovese não é originária da Toscana, mas sim da Calábria.

O mesmo ocorre com uma das chamadas uvas autóctones da região do Bordeaux. Enquanto as evidências mostram que tanto a Cabernet Sauvignon como a Merlot seriam originárias da região, a Cabernet Franc (ascendente destas duas variedades) não é. Ela teria surgido no País Basco, onde vários outros “descendentes” dela são encontrados.

Critério flexível

Deste modo, o uso do conceito de uvas autóctones requer alguns cuidados. Os rápidos avanços da genética na identificação da “arvore genealógica” das uvas vêm quebrando mitos e percepções arraigadas há seculos. Para responder a isso, muita gente já considera uma certa flexibilização do conceito de uvas autóctones.

Embora conflite com sua etimologia, o termo uva autóctone já começa a ser usado para descrever também aquelas uvas que vem representando uma região por um período considerável. Por exemplo, não há como negar que a Sangiovese é uma parte fundamental da vinicultura moderna da Toscana, o mesmo ocorrendo com a Cabernet Franc no Bordeaux.  A tradição destas uvas nas respectivas suficientes é longa o suficiente para justificar esta flexibilização.

Mas qual seria o limite deste uso? A Syrah vem sendo plantada na Austrália (onde é chamada de Shiraz) desde 1832 e certamente seria escolhida como o maior expoente da vinicultura local. Mas ainda não vi quem se atreve a chamá-la de autóctone da Austrália. E o que dizer da Trousseau, que é provavelmente originária do Jura, mas é muito mais plantada em Portugal e Espanha há séculos?  Desta forma, mesmo a flexibilização do conceito de uva autóctone abre muito espaço para controvérsias. Não vai faltar pano para manga nesta discussão.  

Fontes: Wine Course, Jancis Robinson; Doctor Wine

Imagem: Couleur via Pixabay

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